quinta-feira, 19 de março de 2009

Para sempre é temporário.

Lya Luft diria que às vezes "a linguagem torna-se simples e mesmo supérflua". E eu diria que a minha primeira dedicatória é sua, num sempre temporário em que guardá-la.
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Para sempre é temporário.
É uma fração do inteiro. Uma parte limitada de algo que não sabemos nem ao menos se tem fim.
Os dias surgem iguais - inteiramente diferentes uns dos outros.
Sabemos como o céu se torna claro e depois escuro. Como mudam as estações e para que lado gira o ponteiro dos relógios. Sabemos de milhares de coisas decodificadas, catalogadas e cientificamente comprovadas. Sabemos a que ritmo acelerar os passos, a distância dos astros e a inevitável fatalidade gravitacional.
Sabemos, sabemos, e quase nunca temos certeza.
Porque o imprevisível nos atinge antes que possamos esperá-lo.
As expectativas médias, calculadas para o futuro, são quase tão seguras quanto ler as linhas das mãos.
Giramos como um disco - capazes de tocar as mesmas músicas e pular algumas faixas.
Grandes escritores falam em efemeridade.
E não é nada além da mudança.
Nada além dos sentimentos em metamorfose.
Poucos pontos são constantes, quase nenhum. Somos cercados do instável, e fingimos adivinhá-lo.
Todas as pessoas que nos importam já foram um dia desconhecidas. Todas as nossas conquistas passaram a fase de simples objetivos. Todos os nossos valores nasceram de impressões. Todas as nossas verdades inquestionáveis já foram questionadas.
Tudo já foi o que não é mais, nem será.
Não há como apostar sem chance de erro na forma que os fatos assumirão. Eles permanecem suspensos, prestes a serem desviados.
Retas idealizadas também se curvam.
E uma bailarina pode voltar às suas sapatilhas sem o vaga-lume.
As cartas, as pedras, os signos e os tabuleiros não podem dizer o que nos diz o percursos.
Andamos. Giramos. Mudamos.
Tentamos o tempo do para sempre. E talvez ele nos alcance, amanhã ou depois, em alguém que no afete, em algo que nos modifique.
Sempres temporários.
Como as borboletas que só duram 24 horas.

quinta-feira, 5 de março de 2009

A bailarina e o vaga lume.

Histórias de amor não precisam fazer sentido.
Se há um sentimento, não há necessariamente uma explicação.
Então, havia uma bailarina. E havia também um vaga lume.
A bailarina morava na caixinha de músicas da prateleira da estante. O vaga lume morava ao lado, por dentro da garrafa de vidro que o prendia naquele quarto.
Tão próximos quanto distantes, a bailarina e o vaga lume viam passar os dias.
Ela, de porcelana, girava sempre que davam corda à sua caixinha. Os bracinhos erguidos, as perninhas dobradas e o rostinho inclinado à esquerda – na direção daquele vidro, onde algo acendia cada vez que as luzes eram apagadas.
A bailarina dançava para ver o vaga lume brilhar. E ainda que ninguém reparasse, ela parecia sorrir quando a noite se erguia no céu. Porque era justamente no escuro, que os pequenos pontos luminosos se tornavam mais fascinantes.
Não havia lógica em seu raciocínio. Mas porcelanas não raciocinam.
Tudo que ela sabia, era que pouco a pouco, havia nascido uma dependência.
Um algo desconhecido.
O vaga lume preso naquela garrafa, e ela, sua prisioneira.
Talvez não se possa chamar sentimento, mas a ligação entre os dois era quase magnética.
Ele iluminava os passos da dança decorada.
Ela musicava os ritmos das piscadas atrapalhadas.
E a vida caminhava em frente.
Noite após noite. Até o dia em que a garrafa foi aberta.
E o vaga lume esteve livre.
Liberdade é ponto de vista. Não significa partir, mas apenas ter a chance de fazer, ou não, essa partida.
E o vaga lume não fez.
Permaneceu batendo no vidro, como se casualmente chamasse alguém para voar embora com ele.
Tudo que ele sabia, era que pouco a pouco, havia nascido uma dependência.
Um algo indecifrável.
A bailarina presa naquela caixinha de músicas, e o vaga lume, seu prisioneiro.
Não havia por que.
Ela girando à corda, vendo-o à sua espera, tentando entender; buscando achar um motivo que justificasse aquele peso em sua dança. A bailarina rogava ter asas também.
O som perdera a graciosidade.
Até que o escuro perdeu completamente a luz.
Sumiram os pontos que costumavam se acender.
O vaga lume se foi.
Naquela janela, acima da prateleira, atrás da mesma garrafa aberta, ele se foi.
Esperas de amor não duram para sempre.
O vaga lume voou piscando.
Como água que escorre entre as mãos. Como um balão ganhando o céu.
Mas a caixinha de músicas continuou tocando na escuridão.
E ao ser aberta, contou o final da história.
Porque onde supostamente haveria uma bailarina, havia somente o vazio.
E um par de sapatilhas, girando sem dona.

domingo, 1 de março de 2009

O que você vai ser quando você crescer.

Quero ser as vezes em que ainda vou ficar vermelha, por timidez, por medo ou por amor.
Quero ser as fotos que vou olhar daqui a vinte anos, e as histórias que vou contar para os meus filhos. Quero ser as páginas dos meus diários, e dos livros que ainda vou escrever.
Quero ser as músicas que decorei, os versos que tentei compor e as borboletas que desenhei.
Quero ser também, as cenas dos filmes que vi, e as heroínas em que acreditei. Quero ser as noites que vou passar acordada, e as bobagens que vou falar para alguém. Quero ser os sonhos que vou realizar e as viagens que vou fazer sem roteiros. Quero ser um dado em que se deva apostar, e uma dança se aumentarem o som.
Quero ser um mínimo de coragem, para jogar tudo pro alto de vez em quando. Quero ser frágil e parar por um tempo. Quero ser forte o bastante para ir mais em frente.
Quero ser as promessas do meio da semana, e todo o prisma das cores do mar. Quero ser algo que entorte no vento, e que alguém queira levar na bagagem. Quero ser os antigos contos de fadas.
E todas aquelas estrelas, que um dia eu ainda vou contar.