quinta-feira, 23 de abril de 2009

Mais uma carta de amor.

Você esteve aqui.
Tenho todos os sinais de que preciso para acreditar que sim.
Você esteve aqui. E modificou tudo que me cerca.
As coisas continuam em seus mesmos lugares, mas parecem completamente desordenadas. É. Minha organização excessiva nunca foi mais certa do que o seu jeito bagunçado. Minhas ideias politicamente corretas nunca nos levaram mais longe do que sua impulsividade. E meus planejamentos nunca nos impediram de perder o controle.
Vejo as pistas espalhadas em cada pequeno espaço. Os objetos menos importantes me contam nossas melhores histórias. Há um pouco de vida em cada detalhe inanimado. Uma carta, um bilhete, um papel de bombom. Seriam bobagens, mas são nossos passaportes para um mundo particular.
Há coisas que sentimos sem ver.
E há pessoas que amamos sem reparar.
Não sei onde você está agora; para quem está acenando, sobre o que está falando ou que piadas está ouvindo.
Mas sei que você esteve aqui.
Você com suas mãos cruzadas em torno da minha cintura. Você e seus desenhos na contracapa dos meus cadernos. Você com seus gestos exagerados, enormes, e ainda assim tão menores que sua sensibilidade. Você me chamando de flor, fazendo desabrochar as melhores qualidades que moravam em mim. Você e seus ídolos; seus sonhos aparentemente impossíveis, que pouco a pouco se tornavam realidade. Você e suas músicas, seus filmes, suas bandas, seus livros. Você e suas frases feitas. Você com seus dedos entrelaçados aos meus; o encaixe ajustado das nossas mãos. Você com seus pedidos irrecusáveis, suas apostas invencíveis ou seus defeitos incuráveis. Você com um jeito de olhar nos meus olhos, me fazendo olhar de volta nos seus. Você e sua mania de ouvir minhas palavras, como se elas fossem o que de mais importante haveria para ser dito. Você com seus conselhos. Você com toda sua segurança, sua determinação em me defender. Você com os olhos fechados, observando tudo que se passa ao redor. Você com as nossas semelhanças tão nítidas, nossas diferenças também tão aparentes. Você e sua capacidade de me irritar até que eu fique vermelha ou até que eu bata os pés – apenas para me dar um bom motivo para rir de mim mesma depois.
Você esteve aqui.
Não há nada que me prove o contrário.
É tudo tão mais simples, é tudo tão mais fácil. Porque ao seu lado não há medo, não há vazio, não há culpa, não há falta. Ao seu lado eu me completo, eu me descubro, me encontro, me refaço. Ao seu lado as perguntas têm resposta, os efeitos têm causa, os finais têm recomeço.
E eu amo cada letra que te escrevo. Amo cada vírgula, cada ponto, cada novo parágrafo. Amo o que parece óbvio – e amo, principalmente, aquilo que apenas nós podemos entender.
Imagino o sorriso que você está segurando para cada linha em que se encontrou. E gosto da expressão de espanto dos que não compreendem, da sensação nauseante de quem desacredita o amor.
Não me importa. Está escrito.
Outra parte minha que entrego, porque já lhe pertence.
Você esteve aqui. E disto em diante, eu estarei também com você.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Em Pausa.

Minha vida está em pausa.
É assim que me parece enquanto vivo; enquanto tento inutilmente me encaixar entre tantas pessoas que em nada assemelham-se a mim.
Carrego uma mochila com uma rotina que talvez não me pertença. Nunca terei certeza. Visto as mesmas cores, ensaio as mesmas formalidades e ofereço os mesmos sorrisos. Sigo os padrões que fui educada para seguir. E me questiono se caminhar para óbvio é o que realmente quero. Então sinto a necessidade de fazer a volta, no sentido contrário ao das placas, ainda que seja contramão. Porque havia uma vida antes desta estrada, antes das escolhas que me fizeram pausá-la.
Quem sabe existam dois universos.
Um, acontece aberto do lado de fora.
E o outro, espera fechado dentro de nós.
Minha verdadeira vida deve estar comigo, escondida em mim, e justificada na existência desse segundo mundo. Não por uma simples aliteração. Por uma questão de suporte, alicerce, sobrevivência.
Ao meu redor simplesmente assisto às modificações. Vejo pessoas indo e vindo, como se fossem atraídas e depois repelidas por diferentes magnetismos. Ouço promessas, crio expectativas, faço acordos, apostas e trocas. Ganho, perco, sou certa e sou errada.
Por dentro tiro as minhas conclusões. Corro no tempo para a minha vida de verdade – aquela que está em pausa. A vida que costumava refletir-se também por fora, quando as pessoas e eu éramos um mesmo conjunto, sem esforços para parecermos clones uns dos outros. A vida na qual havia mais cor, mais sentido, mais cheiro e mais gosto. As cenas coloridas, que, pausadas, desbotaram.
Os dias, semanas e meses passam acelerados. Interiormente posso colocá-los em câmera lenta. Posso voltar a ser aquela garotinha pedindo algodão doce, contando estrelas e falando sozinha. Posso dançar as mesmas coreografias ensaiadas, ou simplesmente balançar sem ritmo. Posso estar com quem quero. Posso novamente correr e tropeçar pelos corredores. Posso cair sem que ninguém me veja. Posso gritar sem que ninguém me escute.
Então eu vou e volto. Entro e depois retorno.
Vivo duas vidas. Duas realidades reversas.
A vida de convenções e aparências.
E a vida que eu pausei.

domingo, 12 de abril de 2009

Chuva, quem sabe.

Quem sabe venha a chuva, num domingo de sol.
Quem sabe o céu esteja nublado.
Quem sabe amanhã esteja azul. Nuvens como algodão doce. Aquelas formas que enquanto somos pequenos, tentamos adivinhar com o que se parecem. Exatamente aquelas, que quando nos julgamos maduros, esquecemos de ver.
Quem sabe à tarde o sol demore a se pôr. E apareçam aquelas linhas alaranjadas. Um provável arco-íris para os apressados que nunca reparam – porque esses já não acreditam no pote de ouro, nos desejos realizados ou nas sete cores.
Quem sabe a imensidão esteja temporariamente lilás. Acontece.
Quem sabe possamos abrir as janelas para ver as estrelas. Pontos luminosos, lanternas acesas permanentemente, distorções óticas da atmosfera. Poderíamos apagar as luzes, contar as dúzias, fazer pedidos, caçar cometas.
Quem sabe venha a chuva. Vamos pegar nossas capas ou vamos sair caminhando? Nem é tão difícil responder.
Quem sabe não saibamos prever o tempo. Talvez ainda precisemos de palpites meteorológicos. Talvez precisemos apenas esperar.
Quem sabe a vida seja um céu.
E quem sabe o amor seja apenas mais uma estação.

sábado, 11 de abril de 2009

Despedida.

Era uma despedida.
Aquilo que todos detestam, que todos evitam. A última batida que interrompe o ritmo. O instante em que algo se quebra, alguém vai embora, e não há como voltar.
Sim, uma despedida.
E seria morrer um pouco, desfazer-se em parte, para qualquer pessoa comum.
Mas eram ele e ela. Os dois.
E com eles tudo funcionava de forma diferente. Parecia quase uma espécie de acordo, no qual ambos oficializavam ser, secretamente, contrários ao trivial.
A partir dali, tomariam rumos opostos.
Embora continuassem sentados naquele banco, parados lado a lado, já pareciam distantes. E embora a conversa estivesse terminada – assim como todo o resto – ainda havia algo suspenso, encaixado nos centímetros quilométricos que os separavam.
Então era isso, o fim.
Ela suspirou e sorriu. Olhou para os próprios pés, que batiam compassados no chão.
Acontecia sempre que sentia-se nervosa.
Ele fingiu não reparar. Olhou para frente e sorriu também. Não iria suspirar.
Ela pôs fones nos ouvidos.
Ele puxou um dos fios.
“Posso ouvir com você?”
E então lá estava. A música que contaria todos os detalhes de uma história que só os dois poderiam entender – e que nem mesmo eles saberiam explicar.
A música que aos poucos tornava-se mais e mas agitada. O coração ou os pés de alguém incomum, tanto faz.
A mesma música que um dia ele pôs para tocar.
Na primeira vez em que ouviu, ela não considerou nada em especial. Mas como aquelas coisas não importantes que vamos cativando aos poucos, acabou por ser a música certa.
Certa para o começo e para o fim.
E antes do final, certa também para o refrão.
Eles aumentaram o volume.
Viraram um para o outro, num desafio mudo. Típico. Estreitaram os olhos e sorriram, como se perguntassem qual dos dois ainda lembraria a letra. Então cantaram, desafinados e exagerados, como haveriam mesmo de ser.
Era algo dançante. Seria um rock antigo ou o que eles quisessem que fosse. Tudo, menos coerente. Nada a ver com melancolia, arrependimento ou saudade. Nada a ver com adeus.
Nada convencional.
Mesmo que um tanto previsível.
Porque até eu sei, e qualquer um de nós saberia, que a música também vai parar. E eles vão rir de si mesmos. Vão achar aquilo tudo tão injusto quanto irônico, e vão se obrigar a deixarem-se ir. Ele vai obviamente piscar um dos olhos, sorrir, e levantar primeiro.
Ela não vai piscar de volta. Mas, que óbvio, ainda vai estar batendo os pés.
Vão caminhar para sentidos contrários, cantando baixinho alguma coisa familiar.
E terá sido único.
Uma despedida. Do jeito deles de se despedir.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Imperceptível.


Algumas vezes é preciso mudar.
Ela sabia disso, sempre soube. Mas saber talvez não seja o bastante. E ela nunca havia chegado tão perto de tentar.
Agora bastava um toque, um sopro, um passo. Bastava um risco e todas as palavras viriam em sequência. Bastava que no meio de todo aquele silêncio, houvesse um ruído.
E assim todas as coisas começariam a acontecer. Coisas dispostas em fila, caindo uma após outra, estendendo-se num efeito de dominós.
Ela sabia disso, sempre soube. Então bastou que iniciasse. Uma pequena pedra arremessada sobre a água, provocando os círculos e batendo até afundar. Um pequeno fio levantado da costura, de onde se puxa até que o tecido desfie.
Escolhas em ponto de partida para novos desfechos.
Era somente isso. Mudanças, que moravam dentro dela, e que agora começavam a espiar o mundo ao redor. Ela só precisava deixar que saíssem e ganhassem espaço, para que tudo adquirisse maior sentido.
Talvez ninguém notasse. Nem seria preciso.
Ela faria com que fosse quase imperceptível. Porque ainda seria essencialmente igual, mesmo enxergando tudo por perspectivas diferentes.
Seriam os mesmos nomes com novos significados, os mesmos rostos com novas impressões, os mesmos hábitos com novas formas. Seria como caminhar numa estrada onde se caminha diariamente, e ver pela primeira vez, algo que esteve ali desde o princípio. Como não tinha visto? Nunca se sabe. A questão não é o que nos cerca.
É que às vezes as coisas param de acontecer à nossa volta.
E se passam dentro de nós.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Metade me interessa.


Sou definida no tipo de garota clássica.
Sou considerada previsível e bem comportada.
Sou óbvia.
Brinquei de boneca. Brinquei de casinha. Caí da bicicleta. Caí da cama, do muro e das costas de alguém.
Gosto de cor-de-rosa.
Gosto de maquiagem desde que alcancei pela primeira vez a prateleira de batons da minha mãe.
Sou certinha.
Sigo regras, cumpro ordens.
Sou moderada.
Compraria um vestido preto antes de provar um estampado.
Sou romântica.
Acredito em contos de fadas, e acho incontestável que o amor seja a coisa mais próxima da magia que temos.
Sou sensata.
Controlo vontades, ponderando as menores consequências.
Sou irritantemente normal.
Me misturo na multidão, me confundo e perco entre os rostos que passam por mim.
Sou idealista.
Sonho com o impossível de olhos abertos.
É. Sou definida no tipo de garota clássica.
Prazer.
Sou metade tudo isso.
E metade tudo aquilo, que poucos conseguiriam ver.

domingo, 5 de abril de 2009

Importe-se. E observe.

Este é o primeiro texto que publico sem ter escrito. Primeiras linhas do meu blog que não vieram realmente de mim, mas que me alcançaram. /FLOR, começou em suas mãos, e espero que assim termine, em você e nas suas inspirações - que trouxeram as minhas de volta.

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"Às vezes é necessário observação para não cair.
Não adianta cair. Quedas não levam a nada, a não ser que te tragam uma consequência maior. Consequência boa.
Com a queda você se renova, você se cria e se recria, se torna capaz de transformar, de se reafirmar. Capaz de conseguir.
Não basta cair. É necessário aprender.
Você pode aprender caindo, ou talvez não precise. Talvez você só precise ver. Observar.
As coisas e as pessoas não precisam necessariamente te atingir. Você pode ver algo vindo e simplesmente desviar. A menos que você não consiga. Porque talvez você queira ser atingido. Talvez você queira que, realmente, não importe mais. Que nada mais seja importante.
E seria um alívio.
Talvez.
Você pode não querer ser importante. Você pode não querer se importar.
Mas nem sempre adianta o que você não quer.
Vai acabar acontecendo. Você um dia vai se tornar importante, vai se importar, e é quando você vê que queria essa importância.
E aquele ‘algo’ do qual você desviava já está perto o suficiente para te atingir.

Então você deixa. Você quer. Você desiste do verbo ‘importar’. Você quer sair, e permanece apenas para não machucar."