quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Posso dormir aqui?

Então ela apagou as luzes e encontrou a mesma passagem que procurava no escuro aos cinco anos. O caminho era o mesmo, tão certo quanto o número de passos e a distância entre os móveis. A porta, no entanto, havia diminuído tão significativamente que era possível alcançar a maçaneta sem esticar as pontas dos pés. Ironicamente, sentia como se esses novos tamanhos e suas proporções fossem mais uma constatação de seu medo secreto: você cresceu, garotinha. Mas tudo bem, tudo bem... por uma noite seria como retroceder, regredir, rebobinar. Então sem bater ou pedir licença, ela abriu a porta como teria feito antigamente, e invadiu o espaço sem sentir-se invasora - como também costumava fazer. Deixou as sandálias e subiu descalça na cama, como se fosse novamente tão leve e discreta quanto fora outro dia. Ambos dormiam tão quietos, que ela acomodou-se entre eles com aquela mesma antiga facilidade. Desejava aninhar-se, aquietar-se. Era preciso pensar. Era preciso, aliás, pensar bastante - mas isso às vezes doía. E aquele lugar entre os dois era exatamente o refúgio de todas as dores. Não era? Aqui não entram os fantasmas... ela lembrava ter ouvido há muitos anos atrás. Durma, anjo, que amanhã é outro dia... Ou teria sido ontem? De qualquer modo, era preciso proteger-se desses fantasmas, desses sustos, desses medos, desses dias seguintes que chamavam-se todos amanhã. Era preciso proteger-se de si mesma, e essa sempre fora a parte mais necessária e mais desgastante. No momento era preciso proteger-se de tudo. E entre eles - as criaturas mais indestrutíveis de seu mundo inventado - ela estaria salva.

There's no end

03 de Janeiro de 2008: "(...) Lembro que antes de descer, ele parou e mandou um beijo, com aquele sorriso indeciso que ele às vezes me dá. E essa cena não desaparece nunca: ele parando, virando-se, mandando beijo e sorrindo. Isso nunca termina. Me devolve a mesma avalanche de sentimentos. Me envolve. E de repente, sou eu quem está sorrindo de volta.”

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Dia 28





Quero apenas cinco coisas
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos
Não quero ser, sem que me olhes
Abro mão da primavera
Para que continues me olhando


(Pablo Neruda)


segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Insônia


Insônia. Esse presente que as almas voltadas à arte simplesmente acolhem como um dom. Sentam-se à varanda com papéis amarelados e uma xícara com café, e escrevem com perfeição aquilo que eu gostaria de ler em noites como esta. As almas voltadas à arte conseguem escrever o que nos salva. Lamento não ser artista, nem ter preparado café. E enquanto isso as almas voltadas à arte estão provavelmente tocando piano, e não possuem a vizinhança sonolenta e melancólica que eu conheço. Provavelmente há um pequeno e romântico vilarejo de pianistas insones. Há também um tocador de fole que mudou-se recentemente para lá - porque é preciso haver alguém ainda mais artista que enfrente a própria arte. E deve haver também uma reunião noturna de pintores, que não estão necessariamente pintando a essas horas, mas apenas porque lhes falta uma maior incidência da luz. A de dentro ou a de fora, tanto faz. Esses pintores conversam sobre as novas tendências de vanguarda? Também penso que não. É mais provável que comentem sobre como um deles adoeceu novamente. Ah, mas são esses ares... artistas sempre precisam respirar variações novas do oxigênio que nós mortais inspiramos sem reclamar. E nem estou reclamando, porque também penso carinhosamente a respeito de novos ares. Sairia imediatamente para buscá-los, mas minha insônia é preguiçosa e me consome. Preciso ficar quieta. Então escrevo supondo a madrugada desses meus artistas fantasmas, seus incensos, suas flores murchas esquecidas, suas salas elegantemente desordenadas, seus móveis empoeirados com a inércia de criatividade acumulada. É tudo enigmático, embaçado, difuso, mas incrivelmente lindo. Que a insônia abençoe essas almas que talvez sequer existam, mas que parecem inegavelmente vivas dentro de mim. Essas almas que despertam insones comigo, e me apresentam um mundo cuja porta está sempre destrancada. Eu preciso apenas empurrá-la.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Mar

De repente o mundo parece responder ao meu toque. A vida transpira, e do vapor eu resgato a umidade de que preciso para respirar. Então não sou mais deserta, nem árida, nem seca. O próprio ar que me percorre sente a dúvida de ser ou não gasoso. As coisas aqui dentro fluem, escorrem, inundam e, enfim, transbordam. Eu mesma liquefaço os sentimentos em ondas que oscilam, se estendem e se espalham. Eu expiro a maresia, e na ressaca trago à tona tudo aquilo que engoli sedenta. Me alimento dessa insanidade, dessa pulsação que me estremece inteira. Eu me entrego às ondulações. E, meu amor, eu quero ser o seu mar.
Então se afogue, se entregue. Se enterre à beira de mim. Submerja. Submeta-se. Desperte quente e intenso, e erga-se exatamente onde morrem as minhas oscilações. Nasça diariamente no verso das minhas noites. Seja você o meu sol. E, meu amor, eu me estenderei à sua frente. Azul, imensa e profunda. Eu, que desejo naufragar esses navios onde se instalam seus medos e suas dores. Eu que te atinjo exageradamente com as minhas tempestades de copo d'água - que, no fundo, sempre foram tempestades de mar.
Que você me aqueça, que você me evapore, que você me ilumine, que você me norteie. Que você me invada. Entre nós o horizonte e o contato. O tato. Essa necessidade de atrito que quase me queima. Mas como é lindo o mar queimando sob o sol. É quase o próprio fogo, mas resiste ao vento. Então eu sopro: uma cadeia de novas ondas. Nunca o fim. Jamais o fim. Isso é justamente aquilo que não termina, entende? E eu me entrego.
Eu que sempre imaginei que todas as noites o sol desapareceria apenas por ouvir o mar dizer: mergulhe.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Meus sinceros agradecimentos


Recebi nos últimos dias dois selos. Um deles (acima), coincidentemente, me foi presenteado pela Luiza F. Nunes (do Expressão e Liberdade) e também pela Kel (do Memórias de Uma Sonhadora). Agradeço a ambas pela lembrança, pelo carinho, e pelos comentários que sempre me alegram ao serem recebidos. É uma honra ser lembrada com selos como este, que sempre inspiram a nós, blogueiros, a continuar escrevendo, continuar acreditando, e mais: continuar reconhecendo uns nos outros as mesmas aventuras, os mesmos prazeres, os mesmos encantos com esse universo de palavras e combinações. Vou dedicá-lo aos que o desejarem.



Recebi, também da Lu (Expressão e Liberdade) este outro (acima). E gostaria que ela soubesse que, se seu blog fosse uma música, eu também não me cansaria de ouvi-la. Espero que volte em breve, para nos ofertar mais de seus textos e pensamentos. Mais de sua expressão e liberdade. E mais uma vez agradeço a indicação. Este, entretanto, dedicarei a cinco blogs especiais. Não precisam aceitá-lo, mas meu critério foi simples e eficaz, espero que entendam. Escolhi, entre vários endereços que frequento - e gosto - alguns que afetivamente tem grande significado para mim. Sintam-se abraçados.

Wil: http://indiferentee.blogspot.com/
Fernanda: http://blogdafer-nanda.blogspot.com/
Fernando: http://aofinaldoinverno.blogspot.com/
Minnie: http://thesidera.blogspot.com/
Tânia: http://dreamlove-sonhodeamor.blogspot.com/

Por me acompanharem há tanto tempo, e tão de perto. Sinto como se os conhecesse. E com prazer, vocês conhecem e alimentam uma das melhores partes de mim: aquela que escreve.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Querido Setembro

Querido Setembro, conte às pessoas de quem sinto saudade que elas ainda me fazem a mesma falta. Diga-lhes para não desaparecerem por tanto tempo, e para não irem tão longe sem se despedir temporariamente de mim. Avise-lhes que são várias as vezes em que as procuro, em que quase as chamo em voz alta, mesmo sabendo que somente outras pessoas podem me ouvir. E a essas que me ouvem, querido Setembro, abafe os ouvidos. Porque meu medo é enorme e nem tudo que eu falo é bonito. Então, querido Setembro, prolongue os segundos entre meu pensamento e minha fala, para que ela seja digerida e não magoe ninguém. Cuide para que minhas palavras não sejam tão secas, tão ácidas ou tão indigestas. Deixe o tempo curar as feridas e sopre para secá-las mais rápido. Essa pressa em não sentir dor é sempre o que me leva a um novo tropeço. E preciso ter onde me segurar, querido Setembro. Você me ajuda? Cuide das estrelas, cuide do tempo, cuide de tudo o que for encantador e frágil, para que as pessoas frágeis e encantadoras ainda tenham no que se inspirar. Querido Setembro, cuide do amor. Do meu, especialmente. Diga-lhe para não ter medo. Avise-lhe à noite, enquanto ele dorme, que eu acordarei apaixonada a cada dia, independente do anterior ou do próximo. E lhe sussurre aquelas coisas que eu sussurrava ao nada, porque desde sempre meus sussurros foram dele. E ele os transformará em vozes, e essas vozes virão brincar em meus ouvidos. Conte ao meu amor, querido Setembro, que lhe mandarei recados também em Outubro, em Novembro, Dezembro... e ainda em frente. Vigie seus sonhos, mas não me conte. Deixe em todos eles, querido Setembro, um pequeno sinal que o faça lembrar-se de mim. E garanta-lhe que eu não o esqueço. Faça mais. Querido Setembro, cuide também das outras pessoas e de seus amores. Fale àquela garotinha que os outros às vezes precisam partir, mas não para sempre. Aqueça aquela velhinha que eu nem sei se ainda vive, e que conheci quando eu também acreditava que seu filho viria buscá-la. Ahn, querido Setembro, cuide de mim e das pessoas que já não acreditam mais em tudo. Permita que acreditemos em algo forte o bastante para não nos perdermos. Abençoe esses sorrisos, esses cobertores, esses livros, essas músicas e esses amigos que nos acolhem a alma. Não seja tão breve, nem tão curto, querido Setembro. Afaste os fantasmas, as sombras e os verões que se foram. Enterre minhas inseguranças e traga a primavera, para enfeitá-las com flores. Guie meus passos tortos, e se possível me empurre de volta aos rumos certos, caso eu desvie. Anuncie Outubro antes que ele venha e nos interrompa entre um passo e outro. Mas conserve Agosto, que trouxe meu amor. Agosto que me estampou esse sorriso bobo e constante, para que eu entregasse a você.