terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Amizade: dedicação; benevolência.

Para Miguel J.
Feliz aniversário.


Então você perguntou:
- E quem vai ficar aqui comigo?
E de um lado você e a pergunta enorme com uma resposta que era ainda maior e que ultrapassava tudo. E do outro, a escada e todas as coisas pequenas que, acumuladas, também eram gigantes e quase me arrastavam. E parada ali no meio, eu sabia que se permanecesse por mais algum tempo, permaneceria definitivamente, e o tempo seria sem fim. Então não respondi. Ou respondi qualquer jogo desconexo de palavras confusas e descombinadas, para que você dissesse algo que me permitisse ir. E você disse:
- Se cuida, Lari.
E me abraçou. E abraçando, você soube que uma partezinha de mim continuaria ali sentada ao seu lado. E seus risos ainda seriam os mesmos, pelas mesmas piadas, dos seus mesmos professores preferidos. E a partezinha de mim poderia virar e dizer: não tem graça. Mas quantas coisas não tiveram graça e se tornaram dotadas de um certo encanto, trazido pelo tempo ou pela saudade. E eu fui. Deixando que aquela partezinha pudesse vigiar o engraçado que somente você entenderia, e o dolorido que também estava apenas sob sua compreensão. Eu fui, e tomei conta de mim, e dos meus próprios risos que você vinha sempre verificar, degrau a degrau, para certificar-se de que eu não estava sozinha, e de que eu ficaria bem. E ficamos todos, afinal. Porque eu pedi que cuidassem de você. E ambos sabíamos que não nos sairíamos tão mal assim, não é? Ou que simplesmente era preciso aprender a nos sair razoavelmente melhores. E onde não mais me cabia, você acomodou aquela partezinha de mim. E onde antes não haveria você, eu abri um espaço novo para nossas conversas velhas e confortáveis. Você descendo diariamente, e eu subindo. As mesmas escadas. E os mesmos cuidados.
Então se cuida. Se cuida como eu não pude cuidar, apesar de ser sua amiga e ter deixado tantas vezes que você cuidasse. De mim, para mim ou por mim. Então obrigada por, naquele dia, ter mantido em você o lugar que eu pensei ter perdido em quase todos onde eu morava. E obrigada por ter guardado a minha partezinha em segurança, para que ela o acompanhasse sempre que você sentisse minha falta. E, finalmente, obrigada por ter sentido. E por, mesmo assim, ter me deixado ir. Então se cuida. Procura essa felicidade tão grande que eu quero que você encontre. E aonde quer que você chegue, o que quer que você alcance, independente do que mude, por favor: não se vai.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Sobre botões e entregas

Seria como um corte latejante. Te cortar de mim, ou me privar de ti, seria rasgar carne da própria carne. Rasgar com ferocidade, entende? Sem botões. Porque, às vezes, de botão em botão, é como se seus dedos fossem cortantes e também rasgassem: meus temores, meus horrores. Você os desfia e me devolve os retalhos. Me devolve aos retalhos. E o que resta de mim em mim é cada vez mais livre, cada vez mais doce, cada vez mais seu. Num procedimento quase cirúrgico, é como se seus dedos cortantes extirpassem defeitos que eu sozinha não pude extirpar. Seus dedos cortantes se transformam em seguida em pétalas e se depositam sobre o meu corpo que, de repente, é quase uma flor. E somos botões e coisas que florescem, não somos? Nós florescemos sem sequer perceber. Nos regamos nos cortes, na carne, nos dedos. E desabrochamos a parte mais fértil e latejante que havia por dentro dos botões. E olha, amor, nem é primavera, mas as colheitas disso tudo serão prósperas. De estação em estação os cortes cicatrizam. E porque não me privas de ti, eu não sangro. Qualquer retalho de mim que se emende aos teus nos costura cirurgicamente. E nas tuas mãos, enfim, eu descanso e desabrocho. E me entrego.