sábado, 31 de outubro de 2009

Da cor dos seus olhos.

Deixe-me falar da cor dos seus olhos, você deveria saber que eles mudaram o tom. Eu poderia até provar que escureceram, porque já não me enxergo dentro deles. E, meu bem, eu me enxergava.
Aquele sorriso que você me emprestava quando eu não sabia de que modo sorrir, também mudou. E eu já não peço para usá-lo. Às vezes o encontro no rosto de outras pessoas, e então sei que foi você quem emprestou. Mesmo que um dia ele fosse somente meu.
Na verdade, não lembro como o devolvi, mas espero que você o tenha recebido inteiro. Eu deveria tê-lo embrulhado, para quando você não estivesse por perto, e eu ainda não soubesse de que modo sorrir. Ou para que ele permanecesse o mesmo, até que você voltasse.
Porque você voltou, mas o meu sorriso emprestado se perdeu em algum lugar.
E as mesmas pistas que te trouxeram, não são capazes de trazê-lo de volta também. É como a antiga cor dos seus olhos. Mudou, e é só. Junto com nossas intrigas inúteis, nossas frases feitas e nossas respostas óbvias. Junto com tudo que me parecia tão nosso e que já não é meu, nem seu. Porque não soltamos somente as nossas mãos, mas pouco a pouco escapamos do que, juntos, costumávamos ser. E que já não podemos, e já não somos mais.
Sim, eu deveria ter embrulhado.
A cor, o sorriso, as intrigas, as frases e as respostas.
Para que não quebrassem, para que não desbotassem, para que não amassassem, para que não se perdessem, para que não se afastassem tanto quanto nós conseguimos nos afastar. Para que eu ainda soubesse o modo exato de sorrir. E para que eu voltasse a me encontrar, sempre que enxergasse o que (antes) eu enxergava em você.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Efeito.

Há sentimentos que atraem, e nos distraem.
Não me perturba a sonoridade. O efeito é bom.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Uma parte.

Às vezes fica faltando uma parte. Uma pequena fração que, aparentemente, se desprende de todo o resto - que desse jeito, já não pode ser inteiro. Uma parte pequena que falte, pode se tornar uma lacuna surpreendentemente grande. Sim, pode. O que a impede? E eu confesso que ainda não sei como se recuperam essas partes. Não sei porque não entendo, ou talvez porque eu nem sempre saiba exatamente o que falta. É tão abstrato. Como se chama? Algo que se vai sem olhar de volta. Uma pessoa, um sentimento, uma sensação, uma pequena data, um pequeno hábito. Fica faltando uma parte, semelhante a uma qualquer coisa que se quebre.
E então, como se cola?

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Fim.


"O coordenador social do Afroreggae, Evandro João da Silva, de 42 anos, é assassinado, na madrugada deste domingo."


O que nos resta depois de um fim? Depois que algo termina sem que se planejasse ser terminado. O que fica? Quando um ciclo se interrompe entre uma batida e outra. Quando entre dois pequenos passos se abre uma enorme lacuna, praticamente impossível de se transpor. O que permanece?
Talvez esse, seja algum tipo de prece.
E escrevo sem perceber que é. Porque não me remete às religiosidades que se supõe ao falar em preces. E porque não termina em amém. Apenas não termina.
Escrevo por um nome, e por tantos outros nomes que existiram antes e ao redor deste. E que agora devem se perguntar: alguém reparou?
Alguém notou como o mundo continua o mesmo, como as coisas permanecem idênticas, tão injustamente imutáveis diante de uma diferença assim?
As pessoas ainda giram com suas próprias pequenas vidas.
Mas há uma vida que não gira mais.
Há tantas vidas que não giram há tanto tempo, aliás. Por um acidente, por dois ou três segundos inesperados. Por uma disputa, uma ameaça, um disparo, um tropeço. Por um par de tênis e uma camiseta. Tantas vidas que não giram mais.
Entre essas, somente algumas são capazes de continuar. Em outras vidas, em outras pessoas. Das inúmeras outras formas existentes de continuidade. Através do que fizeram, das chances que criaram, dos sonhos que alimentaram, das perspectivas que ampliaram. Através das verdades adormecidas que despertaram.
Então, todos nós seguimos em frente. Bem melhores se soubermos olhar para trás. Bem mais nobres se entendermos que enquanto uma voz se cala, outras aprendem como falar - e nos dizem que nada deve ser em vão.
É que talvez esse, seja algum tipo de prece.
Pela paz que eu (também) não quero seguir admitindo.


"O Grupo Cultural Afro Reggae, ou apenas Afro Reggae, é uma ONG que também atua como banda musical surgida em 1993. O objetivo do AfroReggae era ter um tipo maior de intervenção com a população afro-brasileira, atuando principalmente na comunidade de origem de seus membros, Vigário Geral. Foi criado o Núcleo Comunitario de Cultura em 1993 para iniciar no local suas atividades de amparo a jovens carentes e com potencial de se envolver com a criminalidade que passavam a integrar projetos sociais."



sábado, 17 de outubro de 2009

Nós fingimos.

Eu finjo, tu finges, ele finge, nós fingimos.
E é deste jeito que se escreve, porque é deste jeito que se vive.
Sem subjetividades. Se vive, e é só.
Porque não reparamos, então não nos importamos. E porque não nos atinge, não nos desesperamos. Esquecemos que não existe um único erro - que apenas por ser errado - não nos faça perder tempo para as coisas mais certas. Erramos todos, e estando errados, perdemos tempo também.
Perdemos muito mais que tempo, aliás.
Perdemos o que se chama de justo. E aquilo que nasce sem justiça, se condena.
Então, nos condenamos pouco a pouco, parte a parte. Nos limitamos a uma vida particular, e ignoramos que as várias vidas particulares vão se tornar uma só.
Entendam os que souberem como entender.
Eu finjo, tu finges, ele finge, nós fingimos.
E todos nós sabemos do que se trata.


segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Alcancei vocês.

Por nós, o prazer foi meu.
Não é sempre o que se diz, depois que se conhece alguém de quem se gosta?
Sim. O prazer foi todo meu. E não porque eu apenas tenha conhecido pessoas das quais tenha gostado. Mas porque nelas, encontrei novamente a mim mesma.
Tive de volta as pequenas frações que eu havia perdido em um lugar qualquer, entre os tantos lugares errados por onde andei. E me senti voltando a mim, retornando ao lugar certo, como quando se reconstrói uma estrada até retomar os primeiros passos. Ou como quando se abre novamente uma velha porta, e se sente seguro outra vez.
Então era esse o som dos nossos risos? Eu quase esqueci como soavam bem, como vinham fáceis e inexplicáveis, como encerravam nossas pequenas bobagens e nossos comentários sem propósito.
Era assim que nos completávamos? Tão simples. Como um pequeno mosaico de características diferentes que se encaixam, e que justamente por não serem iguais, se complementam.
Por que não me contaram que seria assim tão bom? Por que não me disseram que passaria assim tão rápido, se eu mesma escrevi sobre a eternidade que cabe num piscar de olhos? Talvez eu tenha piscado. Já nem sei.
Me contem como aconteceu, se acredito que ainda continua acontecendo.
Os seus adesivos vermelhos, brancos e pretos, se ajustam com as borboletas do meu caderno? E o rosa da fita do meu pulso, combina com as três cores da pulseira no seu? As horas que passam no meu relógio, te parecem passar iguais? E se eu apertar de volta a sua cintura, você vai sentir cócegas e começar a girar em torno de si também? Quando eu erguer uma das mãos, a sua estará perto para que se encontrem? E depois das minhas perguntas, existirão sempre as suas respostas?
Eu aceito o risco.
E aceito que tudo seja tão injustamente imprevisível, para que cada etapa seja um tipo de surpresa. Não foi sempre assim? Horas, que viraram dias, que viraram meses, que viraram anos. Coincidências, que viraram acasos, que viraram encontros.
E o prazer foi todo meu.
Dos 'zinhos' que acrescentei aos seus nomes, às vezes em que fiquei vermelha sem um porquê. Do antes até o depois, porque vocês foram os prólogos e também os epílogos que couberam nas minhas histórias.
Então, me levem quando o tempo nos levar uns dos outros. Sim. Levem inteiramente as partes que quiserem levar. E da mesma forma que guardaram todas elas até que eu voltasse mais para perto, guardem outra vez. Quem sabe. Há muitas maneiras de se voltar até alguém.
E eu levarei aquilo que mora dentro das fotos, vocês se importam? O que deu sentido a cada uma dessas minhas palavras, mesmo que ninguém as entenda além de mim. Vocês sabem. Aqueles sinais abstratos que se escondem entre os gestos, para que comecemos a procurar. Aqueles que procuro. E que eu vejo sempre que olho de lado, porque vejo também vocês.
O prazer foi todo meu. Até aqui e mais adiante. Porque os encontrei.
E porque encontrei esse nós. A minha primeira pessoa do plural, que me alcançou quando alcancei vocês.

domingo, 11 de outubro de 2009

Desfazendo as malas.

Como se diz adeus a um sentimento?
É que eu nunca entendi inteiramente. Poderia ser como desamarrar um nó, desatar um laço, apagar um risco ou cortar um tecido. Poderia ser como desfazer qualquer coisa antes feita.
Como desarrumar uma mala depois de uma longa viagem. Sim.
Tiramos primeiro as coisas que ficaram amassadas. Pensamos se ainda voltariam ao normal, e quando percebemos que não, as colocamos de lado.
Depois vamos encontrando as roupas que nem chegamos a usar. O que, mataforicamente, seria como lembrar de momentos que nem sequer vivemos, das palavras que não falamos, das histórias que não construímos ou do afeto que nunca demonstramos.
E vamos abrindo todos os bolsos, revirando todos os cantos, até acharmos que não resta mais nada para ser encontrado. Que óbvio. Sempre resta. Em uma parte qualquer, assim meio escondida, há inevitavelmente algum pequeno objeto guardado. Esperando.
Da mesma singular maneira que permanecem as pequenas frações de sentimento, esperando dentro de nós. Por mais que as malas estejam desfeitas.
Como aquelas viagens que se prolongam. Tudo guardado de volta nos lugares certos, nas gavetas fechadas.
E o que se faz com as lembranças, se dobra e se guarda também? Eu ainda não sei.
Mas desfiz as minhas malas, e guardei tudo aquilo que eu pude dobrar.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

É.

Eu acredito tanto.
E nem tanto é tão verdade assim.

sábado, 3 de outubro de 2009

Esse.

Esse eu preferiria que nenhuma das pessoas que confiam lessem. Porque provavelmente vão sentir como se eu não confiasse mais.
E vejam só, será verdade. Eu já não confio tanto. Em todas as pessoas, em todas as autenticidades, em todos os sonhos ou em todas as promessas. É ruim parar em parte de confiar. Medir os centímetros sinceros de quilômetros de um sentimento. Como se mede?
Esse, eu preferiria que nenhuma das pessoas que confiam lessem.
Então me pergunto por que escrevi, e descubro que apenas precisava ter escrito. Como qualquer outra das minhas necessidades, foi necessário ter em palavras o que eu tenho em mim. E como para obter qualquer outra das minhas experiências, foi preciso primeiro experimentar. Então é somente isto, e logo em seguida se pode encaixar um ponto.
Quando se confia um pouco menos, também se perde um pouco mais.
E como se resgata? Eu também não sei. Como se volta a sonhar com as histórias depois que fechamos a última página do livro? E se não a fechássemos, se tornaria verdade por mais tempo?
Minha credulidade me faz falta, como a falta que se sente das pessoas de quem se gosta. E eu gostava de confiar mais. Gostava de mergulhar antes de tocar os pés na superfície, porque pouca profundidade sempre me cansa.
Como os sorrisos educados de quando não sinto vontade de sorrir. Eles me cansam. As respostas que guardo e os cumprimentos formais para quem eu não pretendia cumprimentar. Não poder ser, tanto quanto ter que parecer, me cansa. Tenho tentado ser. E apenas ser tem me bastado.
Não confio naquilo que somente parece, e que não é. Seria cansativo. E pensando bem, é não confiando tanto, que eu entendo: sentir é melhor que crer.
Sim. Sentir tem dado certo.
Na verdade, eu ainda preferiria que nenhuma das pessoas que confiam lessem.
Mas tenho um segredo que me aproxima delas.
É que há coisas que eu sinto, nas quais seria impossível não confiar.