sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Minha fada madrinha.

Para Lais C.

Porque quando estávamos juntas, o tempo deixava de ser esquisito e de passar tão rápido. Quando estávamos juntas, as pessoas não pareciam mais tão seguras e firmes, porque me parecia mais fácil interpretá-las, e fazer com que - aos meus olhos - elas também balançassem. É que quando estávamos juntas, eu já não acreditava tanto em contos de fadas, porque você pintava minhas histórias com as cores que existiam somente na vida real.
E nessa vida, você deixou de ser mais uma das minhas amigas, e se tornou a minha fada madrinha.
Ao seu lado eu sorri com franqueza. Em todas aquelas vezes em que me senti novamente com sete anos de idade, questionando o porquê das coisas não serem nem ao menos parecidas com o que eu desejava que fossem. Em todos aqueles momentos em que você pediu para que eu fosse mais realista, e eu não consegui nada além de ser um pouco mais sentimental.
E também ao seu lado, chorei justamente por não sentir medo. Por perder aos poucos a certeza que eu tinha de que tudo, tudo era verdadeiro e sincero. E foi quando percebi, de fato, que meus sete anos de idade não podiam mais me acompanhar. Por achar que nunca seria madura ou sensata ou perspicaz o suficiente para enfrentar esse tipo de vento, que sopra e sopra até derrubar as estruturas onde a gente se apoia.
Então, me apoiei em você.
Espero não ter sido muito pesada, mesmo acreditando que você seria forte o bastante para não reclamar. E espero que enquanto caminhamos juntas, você tenha visto as mesmas cenas que eu vi, para que se sinta tão grata quanto uma das minhas metades. Porque minha gratidão inteira, apenas eu posso dever a você.
E espero que você me perdoe pelas (inúmeras) vezes em que estive ausente ou distante, apenas esperando que você soubesse o caminho para me resgatar. Desculpe não ter percebido que talvez, e somente talvez, você precisasse ser resgatada também.
É que de onde eu estava, havia poucas coisas encantadoras de se ver.
Mas você veio, e puxou uma cortina que eu nem sabia que existia. E me fez enxergar um mundo de coisas que, da minha janela tão limitada, eu não saberia encontrar. E havia um sol, que vem e depois se vai todos os dias, assim como as coisas boas que acontecem em nossas vidas.
E havia também um botãozinho que você, fada madrinha, transformou numa Flor.

sábado, 23 de janeiro de 2010

UM ANO de Neologismos.

"Então (...) se transformará nas minhas mãos em flores.
Em flores e em coisas leves e em amor." (Clarice Lispector)

Que aquilo que sai da ponta dos meus dedos, e que se perde entre todas essas teclas que eu toco, possa tocar também aqueles que estão do lado oposto - e complementar - ao que eu estou. E que o sentido que parte da primeira de minhas palavras, alcance a última de minhas sílabas sem precisar espalhar migalhas de pão para encontrar o caminho de volta, depois da casa de doces.
Que as dores que sinto com aspereza se tornem mais suaves, para que não machuquem também aqueles que as recebem. Que as despedidas se pareçam com um rosto de olhos fechados que certamente voltarão a se abrir. E que me baste piscar.
Que ainda existam borboletas, bailarinas e vaga-lumes. E que um único sentimento dê à luz dezenas de histórias, para que os mesmos personagens tenham a chance de criar diferentes finais. E que tudo, tudo recomece.
Que os amores que invento para (também) me distrair, não deixem de existir tão rápido quanto aqueles que acontecem de verdade. Que continuem (ainda e sempre) a existir pessoas que acreditam em outras pessoas. E que elas não se machuquem muito.
Que aqueles que não acreditam não leiam.
Que minhas bobagens sirvam para que sempre exista algum tipo de bobagem, e que meus medos façam com que alguém me acenda a luz.
E que existam, enfim, palavras. Palavras para falar (quase) tudo. O suficiente para que as coisas não ditas permaneçam assim, mas para que o silêncio de um espaço em branco não nos cale por completo.
Que existam palavras para transmitir, devolver, encontrar ou salvar.
Para que outros anos também se transformem em minhas mãos em flores.
Em flores, em coisas leves e em amor.

E eu mudo quando chove.

É tão engraçado o quanto dói sentir a mim mesma diante das coisas. É quase uma condição inerente de ser, então apenas sou. Mesmo que essa dor de estar sendo me pareça um estado permanente , entre vários outros estados temporários que se alternam.
Há aquela quase felicidade, que antes de me parecer um porto, mais me parece uma bóia que flutua cada vez que tenho medo de me afogar. Há aqueles instantes raros de alegria extrema, que quase me consomem pela espera e pela raridade. Há também o amor, que droga e que graça, há o amor que me destrói e fere e cura e prende e liberta. Há os olhares que correspondem aos meus, e há aquela cor que fez meus olhos mais castanhos por uma ou duas vezes na vida. E há, sempre, a própria vida, que parece se estender à minha frente, como se eu somente estivesse a alguns passos da partida - mas que, timidamente, também me esconde onde fica a chegada. Eu, que não tenho pressa de chegar.
Há, nessa ordem embaralhada, tantas, tantas coisas, que eu jogaria sem repetir cartas, e talvez até vencesse algumas rodadas.
Mas, de repente, há aquela dor de ser. Esta que me espiava sorrir, para depois doer. Então me contraio. Como tudo o que vive e se contrai. Essa dor de elástico, que vai e volta, que aperta e relaxa. Involuntária. Eu, que não a controlo, apenas (de susto) percebo, eu observo o quanto um dia ela foi incômoda.
É que ser, não dói a todo mundo. E tudo aquilo que é incomum, nos espeta a princípio. Até que o mundo (quase) todo se torna previsível demais, de forma que até mesmo algumas dores nos ajudam a escapar do óbvio. Então mesmo que eu saiba que pessoas em geral não doem - e que pessoas em geral não olhariam para si mesmas muito profundamente, para não correrem o risco de arranhar sua superfície envernizada - mesmo assim, sou quase amiga da minha dor.
E sinto pena sem precisar disfarçá-la de solidariedade. E sou solidária quando me considero forte o bastante. E tenho forças para suportar e prosseguir e (o mais pesado) para perdoar. E perdoo como se nunca houvesse lido Schopenhauer e suas ideias de que caráter não se muda. E eu mudo quando chove.
Difícil é compreender. E permitir que os outros não saibam do que se trata. Que os outros aceitem as misérias do mundo, sem reparar que significam também suas próprias misérias. Difícil é sustentar-se em órgãos e membros, e sentir falta de qualquer abrigo mais leve, para o caso de precisar voar.
É cansativo conviver. Pessoas supostamente corajosas, que pensam estar desafiando o mundo, e que esquecem que, visto de fora, o mundo não é desafio. O mistério é ver de dentro. E para ver de dentro é preciso primeiro estar aberto. Contrair-se. E doer.
É que isso, que em palavras pode soar como uma tristeza silenciosa, em matéria não é nada que se possa ver ou tocar. E faz um barulho que quase ensurdece. Sendo meramente um dos meus sustos, uma de minhas dores em outro dos meus textos.
Foi para dividir o que sinto? Não sei. Não estou bem certa, porque eu erro também. E ser um pouco egoísta com as minhas sensações, as mantêm mais perto de mim. Encaro melhor como uma doação, de uma pequena fraçãozinha dolorida, para (a princípio) te espetar também.
Você aceita. Se assim quiser.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Estávamos distraídos.

Foi quando estávamos distraídos, que aconteceu. E é como acontece com quase todos aqueles que se distraem. Não apenas o suficiente para tropeçar entre dois passos, ou para esbarrar em uma qualquer coisa que segundos antes não estivesse à sua frente. Acontece com os que se distraem de verdade. Com os que não apenas permitem que coisas incríveis (e não planejadas) aconteçam, mas que também permitem a si mesmos encontrá-las. Acontece, assim, ao acaso.
É que quando estamos distraídos, nos reconhecemos. Entre tantas e tantas pessoas - perdidas e confusas - reconhecemos um mesmo jeito de dar as mãos, uma mesma forma de olhar em volta, um mesmo sorriso ou um mesmo gesto. Então, acontece. Os sentimentos são acréscimo, consequência.
Estamos distraídos e é quando o telefone (que nem esperávamos que tocasse) finalmente toca. E as mãos se encaixam, e os rostos combinam, e as palavras se completam para formar uma mesma frase. Nos completamos também, porque nos admitimos mais incompletos. Há a consciência do que nos falta, muito mais forte do que seu preenchimento. Gostar nem sempre é preencher. É preciso haver algo vazio, para que se encha. Então cada riso nos leva a uma necessidade maior do riso seguinte, como se cada som pudesse nos atingir de maneira mais profunda. Ganhamos a necessidade crescente do outro, o que nos torna mais sedentos de também sermos necessários. É isto a que chamam de amor? Esse reconhecimento de iguais, sob qualquer mínimo aspecto, entre incontáveis criaturas desconhecidas e solitárias. Prazer, amor.
É que deve ser mesmo preciso estar distraído.
Porque, de repente, o telefone já não toca. E sobram alguns dedos das mãos que já não se encaixam, e os rostos se desconhecem, e as palavras se desencontram. Acreditamos que bastamos a nós mesmos, e por não aceitarmos nossos vazios, não temos mais como preenchê-los. Os risos tornam-se induzidos, para satisfazer uma necessidade que cresceu mais do que o próprio amor. E tudo porque deixamos de nos distrair. Tudo porque desistimos de dar a mesma permissão de antes, e passamos a tentar controlar os risos, telefonemas e encaixes.
Às vezes é preciso apenas estar aberto, meio vazio. Estar à toa. Não apenas o suficiente para tropeçar entre dois passos, ou para esbarrar em uma qualquer coisa que segundos antes não estivesse à sua frente. Mas para reconhecer.
Foi quando estávamos distraídos, que aconteceu.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Borboleta.

Me sinto respirando devagar, borboleta, enquanto você se move à minha volta, como se eu quase não pudesse sentir, e apenas adivinhasse o que você faz. E te sinto pousar sobre o meu coração, enquanto o escuto bater sempre mais e mais rápido - tanto que, de repente, me parece estar parado, num batimento sem pausas, tão aceleradamente quieto quanto você.
Meu coração que também foi (e é) seu.
Então, borboleta, aonde você está indo agora? Já não sei mesmo em que telhados está voando e, honestamente, isto me faz querer voar também.
Talvez, se assim eu pudesse, conseguisse voar até você.
É tão estranho, borboleta. Mas por mais que eu não deseje que você se afaste, espero que continue igual a como te conheci. Que não se prenda, por mais que te queiram como eu te quis.
E eu me pergunto, como poderia te perguntar, se você ainda se parece com como era há algum tempo atrás. Por quantas metamorfoses passou, e quantas vezes as asas bateu, para chegar até aqui, e para depois partir de volta?
Não sei se você ainda tem as mesmas cores - aquelas que, outro dia, eu pintei nas suas asas. Se ainda lembra dos desenhos que fiz, e das combinações que criei para te reconhecer quando nos encontrássemos. E que, agora, quase não me importam, porque acho que nos perdemos.
Mas veja bem, borboleta, existem espécies de você que duram somente um dia. E estas nem mesmo fazem parte de uma história de amor. Então, talvez, seja essa a sua pena: apaixonar-se por viver só mais um pouco. E eu vou pagá-la por você.
É que por mais longe que voe, você já parou um dia aqui. E por mais que eu esteja parada, me sinto voando com você.
Me sinto respirando devagar, enquanto você se move à minha volta, como se eu quase não pudesse sentir, e apenas adivinhasse o que você faz. E te sinto pousar sobre o meu coração, enquanto o escuto bater sempre mais e mais rápido - tanto que, de repente, me parece estar parado, num batimento sem pausas, tão aceleradamente quieto quanto você. Meu coração que também foi (e é) seu.
E é quando desperto e não te encontro. E quando te chamo de borboleta, por achar que você voou. Mas é também quando, e como, ganho a certeza intuitiva de que você também lembra. E de que você também bate as suas asas, sempre mais e mais rápido, no mesmo ritmo do meu coração.