segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Poucos conquistarão meu coração como você.

Para Miguel J.


É que poucas pessoas entendem que há muitas formas de se
conquistar o coração de alguém. Apaixonar-se é somente a primeira e a mais clássica de todas elas. E você escolheu outra, para conquistar o meu também.
Porque sendo somente (e bastante) o meu amigo, meu coração guardou um espaço seu.
Não sei se foram seus exageros que, como pequenas pedrinhas rolaram até cair amortecidos sobre as minhas moderações. Ou talvez a sua forma de encarar os outros como se nenhum deles pudesse te atingir, para que eu me deixasse ser atingida enfim. Não sei o quanto disso foi exato, nem o quanto foi humano o bastante para surpreender a nós dois. Não penso nem mesmo na possibilidade simples e até mais óbvia de nunca termos nos encontrado, porque em dez voltas que eu desse, dez vezes te encontraria.
E eu notei pelos meus pés, que certamente cabem no espaço que ocupam os seus. Notei pelas nossas conversas sérias e quase graves, e pelas frações de você que eu guardei sem mostrar a mais ninguém. Notei quando você me ofereceu uma história inventada, e eu de alguma forma soube que no fundo de todas as superficialidades, ela poderia ser real. Notei pela forma como eu aprendi a segurar sua mão, seus medos e seus planos, e pela facilidade que encontrei ao me segurar também em você. Notei pelos excessos de cuidados e pela falta de não te ver sempre sentado ao meu lado. O meu lado, que na verdade também é seu.
Primeiro o acaso junto à sorte. Depois a sorte junto ao encontro. Depois o encontro junto aos sorrisos. Depois os sorrisos junto às palavras. E as palavras junto aos números. E os números junto às descobertas. E as descobertas junto às respostas. E as respostas junto às perguntas que nunca sentimos necessidade de fazer. E as nossas necessidades junto ao tempo. E o tempo a nosso favor. E nossos favores mútuos junto à cumplicidade. E sermos cúmplices junto a tudo. E você junto de mim.
Eu não sei quase contar. Já não sei quantos passos, quantos degraus, quantas esquinas, quantos centímetros de sorte eu percorri para te encontrar. E acaso você não se importe, eu não faria questão de voltar. Não há migalhas de pão traçando um retorno, porque diante de onde nós estamos, há uma estrada inteira para caminhar. E além de todas as setas, além de todas as curvas, além de todas as probabilidades matemáticas de nos perdermos, eu espero que você não esqueça que há (e ainda haverá) para onde se desviar. Porque eu, você sabe, não vou mesmo ficar muito atrás.
É que poucas pessoas entendem que há muitas formas de se conquistar o coração de alguém. Apaixonar-se é somente a primeira e a mais clássica de todas elas. E você escolheu outra, para conquistar o meu também.
E é desse jeito - agitado, exagerado e atrapalhado - que eu sorrio inteira ao lembrar de você. É sendo sua amiga que eu sou tudo aquilo que não caberia em nenhum outro papel. E é te escrevendo que eu me leio aos poucos, tão aos poucos quanto um dia eu li você. Poucos que se somaram, completaram e espalharam, para nos trazer até aqui.
Porque você sempre mereceu (muito mais que) um texto meu. E de todas as próximas pessoas, de todas as próximas palavras, de todos os próximos caras bonzinhos e gentis, de todas as próximas vezes que eu for a Lari de alguém, de todos os próximos segredos e de todas as próximas amizades mais puras e despretensiosas, sempre vai existir um espaço seu.
E poucos serão os que conquistarão meu coração como você.


sábado, 20 de fevereiro de 2010

No País das Maravilhas.

"O estudante de biomedicina Alcides do Nascimento Lins, de 22 anos, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), foi morto a tiros na madrugada deste sábado (6), em sua casa, no Recife. Na época de sua aprovação no vestibular, ele foi o primeiro colocado da rede pública. Segundo testemunhas, os criminosos estavam procurando por vizinhos do rapaz, mas como ele não soube informar onde estavam, mataram a vítima. (...)"

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Por que será que é cada vez mais difícil abrir a porta da frente para as ruas, para as pessoas ou para os sonhos? Por que será que a cada dia que passa e a cada volta que se dá, nos sentimos mais presos e limitados?
Às vezes quase esquecemos como o mundo se tornou injusto e furioso, e criamos nosso próprio País das Maravilhas, sem pensar que até mesmo a própria Alice dessa história desperta no final.
O problema é que raramente nós despertamos.
E permanecemos girando, por inércia ou força de hábito, enquanto as estruturas que nos sustentam pouco a pouco desmoronam. Até que algumas coisas perdem seus eixos, e começam a cair. É o que nos assusta e nos acorda, por fim.
A mão que bate nos nossos vidros fechados, às vezes tão pequena e frágil quanto a própria esperança de um dia não bater mais. E as calçadas disputadas, pelas quais nós quase não nos atrevemos a passar - porque de simples passagem elas se tornaram bancos, casas, camas e lares. As vidas que começam fadadas ao fracasso, e que terminam às vezes sem choro, sem vela, sem dor. Aquelas tantas outras vidas que enterramos, que esquecemos, que negligenciamos sem nem mesmo prestar atenção. E as próprias vidas que nos cercam, aquelas de quem amamos, a quem protegemos com passos mais apressados, mãos dadas e uma dose de fé.
Tudo que se tornou tão perigoso a ponto de nos roubar o sono, a coragem e até mesmo a liberdade. Tudo para nos despertar. Tudo para que consigamos encontrar uma forma de perceber melhor o que se passa à nossa volta. Para que possamos entender que mudar um mundo inteiro será sempre abstrato, se nunca tentarmos começar.
Esse também me doeu.
E foi para quem teve muito mais ousadia e dignidade do que qualquer palavra minha poderia ter.
Foi para os que vão ler e para os que não vão. Esse foi para as batidas interrompidas e os planos inacabados, que futuramente cruzariam com outros bons planos, e fariam alguma diferença. Foi também para que soubessem que alguém já sabe, e que nem todos são tão alheios nem tão pouco importantes.
Esse foi porque me importo. E porque eu (afortunadamente) continuo batendo por dentro.
É que às vezes quase esquecemos como o mundo se tornou injusto e furioso, e criamos nosso próprio País das Maravilhas, sem pensar que até mesmo a própria Alice dessa história desperta no final.
O problema é que raramente nós despertamos.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Eu desisto.

De quantas coisas eu já desisti, não sei. Dizem que desistir é vergonhoso. Mas não dói. Há momentos em que (inesperadamente) eu estalo, e percebo que não suportaria mais carregar. Porque algumas coisas são pesadas demais, para os ombros, para as costas e também para o coração. Algumas coisas, às vezes, deixam de ser leves e descontraídas, e contraem a nós mesmos, porque se tornam grandes e difíceis de arrastar.
Eu lamento ter desistido aquela vez. E aquela outra também. Nem mesmo sei porque estou pensando nisso agora. Mas entendo que sentimentos não existem para serem arrastados. Existem para que sejam, e é só. E em certos momentos, para que nos ajudem a ser também.
Então talvez eu não tenha sido o suficiente, porque talvez eu tenha esquecido de sustentar o peso inteiro, e tenha parado para respirar mais fundo, esquecendo que qualquer pausa poderia interromper todos os meus esforços. Ser forte às vezes dói. E é aqui que percebo: até mesmo para desistir, é preciso recolher pedacinhos de força. É preciso reunir todos eles e colar, parte a parte. Ao contrário do que ouço dizer, desistir não é quebrar. Não sempre. Desistir às vezes se parece mais com uma reconstrução. Ou, mais acertadamente, com o desmoronamento que antecede as reconstruções.
E eu deveria pedir desculpas a mim mesma. Pelos meus dramas, pelas minhas falhas e pelas minhas desistências. Eu deveria ser mais impermeável, não quebrar tão fácil, não demorar tanto para encontrar a cola que reúne os meus pedacinhos. Eu deveria saber que arrastar sentimentos não me levaria muito mais longe do que permanecer parada onde os encontrei. Eu deveria ter respeitado essa minha sensação de que os outros quase nunca me enxergam totalmente, e por isso, estão sempre atingindo zonas muito mais superficiais do que as que eu preciso que atinjam. É que às vezes ninguém mergulha. E exatamente neste ponto, eu naufrago. E desisto.