Em seu coração - que agora batia muito mais lentamente, ganhando uma condição duvidosa de existência, antes tão certa - ela soube: não poderia suprir todas essas idealizações. Então, a bonequinha de pano precisou se despedir. Por ela e também por ele, para libertá-lo ao encontro de madeiras, porcelanas e estruturas mais firmes e bem delineadas. A bonequinha de pano acumulou dentro de seus retalhos toda a coragem que provavelmente nem possuía, e se despediu. Repetiu para si mesma que essa era uma despedida temporária, para se convencer de que amar era o bastante para tornar real uma história desejada dentro de si. Poderia ser, não poderia?
Mas antes de partir, era preciso que dissesse ao bonequinho de madeira que, mesmo de longe, esperaria por ele. Mesmo distante, zelaria pelos seus passos, pelos seus tropeços e impediria as suas quedas.
Então, se conheceres o bonequinho de madeira que a fez acreditar indubitavelmente em seu próprio coração, diga-lhe que ela o ama. Diga-lhe que, quando os invernos chegarem, será útil sua natureza rendada e costurada - e ela irá aquecer-lhe as noites frias de um modo que nenhuma porcelana poderia aquecê-lo. Diga-lhe que ela tentará ser quase tão forte quanto a madeira que o forma, e que ela se esforçará para expulsar de si toda a poeira interior. Diga-lhe, especialmente, que no dia em que ele achar que o pano lhe cairia bem, chame-a. E ela irá até a prateleira mais alta somente para encontrá-lo. Somente para pedir-lhe desculpas por não ter a perfeição que ambos imaginaram que teria. Somente para pedir-lhe: diz alguma coisa... Quando ela mesma não souber o que dizer. E para secá-lo, aquecê-lo, envolvê-lo e amá-lo com todos os seus retalhos, com todos os seus pontos e linhas. Porque no fundo eles sabem que se o bonequinho de madeira ameaçasse despencar, ela despencaria abraçada a ele - para que seu pano os protegesse do impacto, e ele jamais se machucasse. Porque embora ela saiba que já o machucou um dia, arriscaria se descosturar completamente, apenas para salvá-lo. E o faria milhares de vezes, quantas fossem necessárias... já que o amor nunca desiste, e tudo espera e em tudo crê.
Então, se conheceres o bonequinho de madeira, e por acaso o encontrares, dê-lhe um beijo no lado direito do rosto, apertando-lhe uma das mãos. E diga-lhe finalmente que a sua bonequinha de pano ainda acredita, e continuará acreditando que tudo vai terminar bem.
Minha flor, que texto mais lindo!
ResponderExcluirBom ler seus textos de novo :)
Desculpa a ausência.. mas estou de volta àtiva.
Um beijo no coração ;)
É meio triste isso sabe. Você idealizar, se enganar. Eu tenho pena da bonequinha. E sempre torço para que esses amores impossíveis aconteçam.
ResponderExcluirMeu beijo.
E ao fim eles se completam, do modo especial que só eles poderiam ser. Só não acredito que a bonequinha o machucou, não se pode esperar perfeição de ninguém. Surpreendentemente, a "imperfeição" da boneca de pano é exatamente tudo o que o boneco de madeira precisa, é perfeita pra ele. E imperfeitos que são se amam, se salvam e se permitem amar.
ResponderExcluirLindo texto, Larissa. Talvez muito do que eu precisava por esses dias encontrei aqui hoje, mas como você, isso não surpreende mais. O que levo daqui é que não se pode desistir, não é mesmo? Não vamos, tenho fé.
E até aquela cama, aquele violão eram de madeira. Mas o que seria de um violão sem suas linhas e cordas e da cama sem seus lençóis e cobertores, acendendo a noite que não é tão escura?
ResponderExcluirAwn, que bom que gostou! *-* Pois é, é legal ver personagens da infância assim, tão reais :)
ResponderExcluirQue texto lindo! Li as duas partes, não consegui me segurar ><
Essa parte de "se você conhecer" e tal me lembrou o final de O Pequeno Príncipe, muito lindo.
Que você que você voltou ao blog ^^