terça-feira, 22 de março de 2011

Papai


- Vai pra parada, que eu tô quase chegando.

E lá vai você.
Posso até imaginá-lo desligando o telefone, andando até a sala e pegando a sua camisa sempre estendida sobre uma das cadeiras. Essa mania de camisas sobre cadeiras... isso que já me irritou tanto e você sempre soube, mas nunca mudou. Até que eu deixei de recolhê-las e colocá-las para lavar mesmo limpas, porque eu mesma cansei de te irritar.
Eu posso até imaginá-lo trancando a porta e indo esperar meu ônibus na parada. Mas você sempre demora tanto que eu e o ônibus chegamos primeiro, invariavelmente. Então sou eu quem desce, te procura, e começa a caminhar ao seu encontro. Mas de repente te vejo vindo. E como se vários anos se passassem em poucos segundos, acontece: eu percebo que o tempo passou.
Eu paro e você continua andando. Mais curvado, mais rígido, mais cansado. Então sinto essa vontade enorme de te puxar por uma das mãos e dizer que a partir de agora faremos o contrário, fazendo de conta que o meu filho é você.
Mas às vezes é mesmo, não é? Às vezes sou eu quem precisa voltar para casa quando você telefona aflito para o meu celular. Às vezes sou eu quem precisa acessar a internet e te mostrar seus emails, quando um dia foi você quem me ensinou a ligar o video game e ajeitou o controle nas minhas mãos. Sou eu quem te vigia, enquanto você me permite sair sem questionar para onde eu vou. E sou eu quem volta acompanhada, te presenteando com um genro que você, generosamente, permite que durma no quarto ao lado do seu. Um genro que você admira secretamente, eu sei, porque faz a sua garotinha suspirar todos os dias, o dia todo. Então você se vira e me diz: "inevitável." Porque por anos me ouviu falar o mesmo nome e sentir as mesmas coisas. Você que, no fundo, sempre me ouviu.
E aqui estamos nós, na rua. Você vindo e eu parada. E Meu Deus, o tempo. O tempo passando. Os anos passando. Então finalmente me apresso e te alcanço, e você rudemente pergunta: "Por que não me esperou na parada?" E ao invés de responder de forma também rude, eu sorrio e não respondo. Penso em dizer que precisava vê-lo urgentemente, antes que mais anos se passassem em segundos... mas não digo nada. Me calo porque me vejo apaixonada por essa sua cautela disfarçada, de quem me busca com aparente má vontade, mas sempre, sempre, sempre me busca.
Me vejo secretamente apaixonada por essa sua lentidão que nunca combinou com minhas ansiedades, mas que sempre esteve esperando pelos meus instantes de calma. Você que mais do que qualquer outro homem ou criatura no universo, já me chamou de chata, neurótica, nervosa ou estressada. Você que mais vezes discutiu comigo por trivialidades, assuntos tão banais... O tempo passa e ainda é você quem às vezes me olha meio surpreso, meio desconfiado, como se questionasse qualquer mistério que eu não me atrevo a dissolver. Você que um dia desses me usou como exemplo numa dessas suas frases sensacionalistas e disse qualquer coisa como: "uma mulher assim que nem você.." E nem reparou que eu me voltei completamente para olhá-lo de frente, como quem pergunta: uma mulher, eu?
Mas sim, eu. Que um dia roubei o lençol da sua cama e fiz um véu para que nos casássemos. Eu hoje penso em me casar e te deixo em parte frustrado porque o noivo já não é mais você. Mas olha - e olha bem, antes que mais anos se passem - no meu coração, e na minha alma, aquele cara de bigode que me sentava no colo quando eu tinha medo do mundo e não contava a ninguém, aquele cara vai ter sempre esse amor súbito e tão grande, que hoje eu senti por você.

12 comentários:

  1. Não que seja surpresa, mas devo te dizer que colocaste lágrimas nos meus olhos agora - mais uma vez. Obrigada, nem sei porque, mas obrigada. E parabéns sempre. Por conseguires colocar em palavras algo tão bonito, tão puro...o sentimento que tanta vezes escapa à língua, mas você captura e colocá-os no papel (ou aqui.)
    É só isso, a simplicidade com que expõe o complexo é lindo. Muito. Senti falta daqui, ando meio afastada do mundo das letras...

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  2. Eu suspirava enquanto lia. E me vi no teu lugar, em tantas vezes que meu pai ja foi me buscar na parada... são coisas tão simples que às vezes não damos valor, mas que são as maiores provas do amor mais verdadeiro que existe.
    Amei esse post. =)

    beeijo!

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  3. Senti-me profundamente emocionada. Tuas palavras tocaram-me no coração. Meu pai está separado da minha mãe e anda passando por problemas de saúde. E eu passei a refletir sobre os momentos que foram tão poucos como esses. O tempo, como parece tão curto pensando nisso.
    Muito bom.
    beijos.

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  4. Confesso que meus olhos encheram de lágrimas com as suas palavras tão doce.
    Sentimento lindo esse seu.
    Obrigada por poder me passar um pouco dele.
    Muito bom. Parabéns.

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  5. Falar de família sempre é algo delicado, revelador e muitas vezes doloroso.
    Apesar de tudo nos amamos, mas só o dia-adia para sentirmos realmente o que é ser família.

    Meu beijo, Larissa.

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  6. Tio meu que eu morro de saudades. Inclusive quando ele atendia o telefone com o entusiasmo que é extremamente difícil de se encontrar em alguém, pois é sincero. Logo ele que ouvia minha voz e sem nem sequer eu me identificar já dizia: "Oiiii, flooor". Floor, eu to morrendo de saudades de todos vocês, sériooo. To escrevendo aqui porque não tenho outra forma de falar contigo... Mas eu nunca imaginei que aquela menina que eu jamais imaginei um dia falar entraria na minha vida e roubaria um lugar para toda sua família dentro de mim. Eu amo muito vocês. (acho que tu já imagina que estou me debulhando em lágrimas, neh minha floor?). Amo você.

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  7. Achei lindo demais esse texto. Enquanto estava lendo, podia imaginar a cena de um homem vendo na direção da menina e os anos passando, ele já mais velho e mesmo assim, lá. As palavras que você escreveu mostra um conhecimento louco pela outra pessoa, algo que só temos quando se trata de um pai ou uma mãe. Simplesmente lindo! Amei *-*

    Se cuida s2

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  8. Eu que estou longe do meu pai, senti o coração apertar. Ele não me vê crescer tão de perto, mas sei que sente (embora isso não impeça a distância de doer).
    Você é linda, Lari, como tudo que você escreve.

    Beijo grande <3
    Sua doçura contagia.

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  9. Lari minha linda!
    Que texto maravilhoso, me emocionei mesmo. Chego aos comentários com os olhos molhados!

    Lindo demais! Quanto amor e carinho nesse texto!
    Perfeito *-*
    Tive vontade de escrever sobre o meu pai também!

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  10. Querida Anônima, certamente meu pai anda a atenderia do mesmo modo, chamando-a de Flor. E com a mesma sinceridade e gentileza, que nem sempre são tão comuns a ele, mas em seus telefonemas, sempre eram. Me sinto feliz que nossos lugares em sua vida ainda estejam guardados. Lamento o afastamento e os desencontros - de ideias e de destinos. Mas sei que nos veremos em breve. Não se desmanche em lágrimas, rs. Sorria para mim, que isso me traz boas lembranças e também saudades. Volte logo, e venha aqui sempre. Foi tão lindo encontrar um comentário seu, juro. E, obviamente, acrescento: eu sei quem você é.

    Um beijo, Flor. E muito obrigada por ter dito o que você disse, e por continuar vindo aqui.

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  11. Ah, Lari, nem sei como dizer tudo que me fizestes sentir lendo esse post. É sempre bom lembrar a falta que tudo isso fará um dia quando partir. Ultimamente tenho pensado muito no tempo também, como ele passa ligeiro e sem aviso. Obrigada por trazer lágrimas aos meus olhos e me lembrar de aproveitar o agora.
    Beijos!

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  12. Esse tipo de amor, eterniza-se!

    O post me deixou sem palavras, mas aflorou as emoções... (suspiro)

    Bjs doces

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