terça-feira, 30 de junho de 2009

Histórias terminam.

Histórias terminam em seus pontos finais.
Terminam persistentemente.
Quando uma porta se fecha atrás de alguém que se foi. Ou quando uma caixa é guardada na última prateleira de um armário.
Histórias terminam no verso da última página de um livro, no último acorde de um instrumento, no último signo da astrologia, na última linha de um texto, na última letra de um nome, na última foto do álbum.
Histórias terminam na mudança de uma estação. Terminam numa data marcante ou numa noite qualquer.
Terminam depois do sol, ou antes que ele alcance as janelas.
Histórias terminam entre duas faixas de um mesmo CD.
Histórias terminam no toque do telefone, na frente de um semáforo, perto de casa, ou diante do mar. Terminam com um segredo, com uma desculpa, com uma promessa.
Terminam ensurdecedoras. Terminam silenciosas.
Terminam no arremesso de um dado, na virada de uma peça, no ensaio de uma jogada.
Histórias terminam com gelo e cartas queimadas.
Terminam quando as cortinas se fecham, quando as plateias aplaudem e os palcos esvaziam.
Histórias terminam num sopro, num gole, num gesto.
terminam por um sorriso, um beijo ou duas mãos.
Terminam num laço, num voo, num atraso.
Histórias terminam como algo que escorre, como uma cor que desbota, como um botão que se solta. Terminam ao se abrir um envelope, rasgar um embrulho ou olhar de lado. Terminam por satélite, por controlo remoto.
Histórias terminam numa senha, numa chave, num cofre. Terminam numa assinatura. terminam na chuva. Terminam num epílogo, numa mentira ou numa nova verdade.
Histórias terminam num filme, num seriado, num catálogo de propaganda.
Histórias terminam de maneiras semelhantes às que começaram; entre as mesmas pessoas e seus mesmos propósitos.
Histórias terminam para serem contadas. Terminam para sempre ou por alguns dias.
Histórias terminam todas para serem lembradas.
E, às vezes, para que outras tenham a chance de começar.

terça-feira, 16 de junho de 2009

No porta-retrato.

No porta-retrato havia uma foto em preto e branco.
Não havia mais cor, porque também já não havia mais tempo. Era a conjugação de todos os bons verbos no pretérito.
Dois sorrisos e um segundo.
E havia sempre alguém para olhar. Alguém para supor como a vida seria, se acontecesse inteira naquela foto. Alguém para contar que a história havia realmente acontecido, e tentar se reconhecer, depois de ter andado tanto, à frente de tantas coisas – para voltar ao mesmo lugar.
Era fácil questionar-se. Perguntar, finalmente, o que o tempo havia feito com as chances desperdiçadas. Os planos construídos, as regras quebradas, os olhares desencontrados, as mãos encaixadas, os sorrisos atrapalhados, ou qualquer “amo você” deixado para o dia seguinte. O que tudo isto representava agora?
A foto.
Era impossível ignorar.
Dois sorrisos e um segundo.
A pausa definitiva de um momento passageiro. Sem os seus sons, sem o seu gosto, sem suas sensações. Sem o ritmo que se acelerava batida por batida. Sem os movimentos que se completavam gesto por gesto.
Muitas coisas não cabiam num porta-retrato.
Por mais que quem o olhasse, sentisse caber ali.
É que as pessoas, às vezes, deixam a vida passar ao contrário. Guardam as soluções para depois dos problemas. Guardam a curiosidade para depois dos segredos, a verdade para depois das ilusões, a iniciativa para depois dos desfechos. Deixam a vontade de dar os primeiros passos para quando a estrada chega ao fim.
As pessoas, às vezes, costumam fazer tudo igual.
Vivem pela metade. Reservam parte de si mesmas, parte de seus afetos e de suas possibilidades. Se armazenam para depois.
Dois sorrisos e um segundo.
Depois disto, talvez nada aconteça.
Deixar passar o tempo, ser inteiro sem um pedaço, pretender completar-se amanhã, emoldurar-se em quatro margens, alcançar o último ponto e desejar voltar ao primeiro.
As pessoas, às vezes, costumam fazer tudo igual.
E para nos tornar diferentes, teremos que partir do início, sem que isto seja um final.
Não me importa como termine.
Vou emoldurar sua foto em preto e branco.
E é deste jeito, que nós vamos começar.

domingo, 7 de junho de 2009

Mais uma dispensável análise de existir.

Engraçado o que acontece quando nos damos conta de que as coisas não são somente aquilo que aparentam ser. Quando passamos a dar mais atenção ao subentendido, ao oculto, ao não dito e ao não demonstrado.
Entendemos que a maioria das pessoas vive em um mundo particular, onde estão sempre estáveis, independente do que se passa ao redor. Que a maioria das pessoas considera que suas vidas sejam infinitamente mais importantes do que as outras, e raramente encontram-se disponíveis a qualquer tipo de interação.
Há inúmeras presenças imperceptíveis. Pessoas que vêm e depois se vão sem serem notadas.
E, no entanto, há algumas outras existências que interferem em qualquer movimentação à sua volta. Existências que criam laços de interdependência, mesmo que involuntariamente, com quem encontram no caminho. Existências que iniciam ações, que provocam reações; que introduzem circunstâncias, que desencadeiam incontáveis consequências. Existências de reflexos.
Dizem que a cada um de nós, cabe assumir uma única forma. Ser e também não ser. Nos definir pelas próprias escolhas, e nos dividir entre indiferentes ou excepcionalmente notáveis.
Desejar que as pessoas que amamos sejam também como as existências mais especiais - capazes de transformar imagens e provocar maneiras inusitadas de ver o que ninguém mais veria. Desejar que se entrelacem às nossas próprias vidas, para que se não puderem ser notadas por um mundo, sejam, ao menos, inteiramente percebidas em nossos corações.