terça-feira, 31 de agosto de 2010

Felicidade: ventura; contentamento



Esse som de riso. Essa felicidade gratuita. Por todos os motivos mais caros e doces desse mundo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Sorrir: contrair ligeiramente em contentamento

É tudo dessa cor de céu entardecendo, ou eu estou usando as minhas cores preferidas para pintar as coisas que vejo? Eu sorrio gratuitamente. Porque vi um bebê apertando as mãozinhas em torno do pescoço de um cara que já nem é mais um cara: é um pai sendo apertado. E também porque vi um casal sentar-se no banco em frente ao meu: um observando o outro daquele modo terno, que esquenta e reconforta tudo em volta. E vi um sorriso da senhora ao lado, que muito provavelmente lembrou-se de alguém para quem também olhava com aquela ternura morna. Eu sorrio gratuitamente porque tropeço num desnível da calçada e não caio. Então sinto saudades daquela sua mão que se estica e me alcança, impedindo que meus tropeços sejam mais caóticos. O caos sou eu, e a paz vem de você. Daí sorrio gratuitamente, para ver se qualquer pessoa distraída ou descontente esbarra em mim e sorri de volta. Sorrio da maneira que desejo que me sorriam em meus dias bons, e talvez nos ruins também. Um sorriso inteiro, mas sem escancarar essa felicidade aqui dentro, para não ofender a entropia do universo. Eu sorrio numa tentativa desesperada de ter calma, de ser serena e paciente, enquanto espero o próximo sorriso, que é sempre mais lindo quando está ao lado do seu.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Zusak


"A gente se senta nos degraus da escada da frente, metade dos quais está na sombra, e a outra metade, toda iluminada pelo sol. Obviamente, eu fico na parte da sombra e o Tommy se senta na luz. Mais simbólico do que isso, impossível.
Pela primeira vez no dia eu me sinto bem, conversando ali com meu irmão, trocando perguntas e respostas rápidas.
(...) Quando estou descendo as escadas, ele diz:
- Depois te dou uma ligada, Ed, pra marcar alguma coisa.
Só que, mais uma vez, não dá pra engolir essa. Eu me viro com uma tranquilidade que surpreende até a mim.
- Duvido muito que você ligue para mim, Tommy.
Que sensação boa! É bacana emergir das mentiras.
Tommy concorda.
- Você tem razão, Ed.
Ainda somos irmãos, e quem sabe? Talvez um dia. Tenho certeza de que um dia a gente vai se encontrar, se lembrar e falar sobre uma porrada de coisas. Coisas maiores do que a faculdade e a Ingrid.
Só que ainda vai levar um tempo.
Por enquanto, vou cruzando a grama do jardim e digo:
- Tchau, Tommy. Obrigado por vir falar comigo - e estou satisfeito apenas com uma coisa:
Eu queria ficar na varanda com ele até o sol brilhar sobre nós dois, mas não fiquei. Eu me levantei e desci as escadas. Prefiro correr atrás do sol a esperar que ele venha incidir sobre mim."

(ZUSAK, Markus. Eu sou o mensageiro. Rio de Janeiro: 2007)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

And my heart still beats inside

Eu me lembrei daquele dia, em que abri meu caderno numa folha completamente ocupada por corações que eu mesma havia desenhado. E você me olhou como se previamente soubesse que - distante da aula à minha frente, e distante do dia em que eu enfeitara aquela folha - os corações agora iriam me machucar. Ah, mas eles eram tão perfeitos, não eram? Até mesmo os contornos falhos, entre uma disposição menor e outra maior dos meus dedos ou da minha caneta... eles eram perfeitos. Inteiros, soltos e quase simétricos. Mas você sabia que naquele momento, justamente por já não serem um reflexo do meu, aqueles corações iriam doer. E foi quando eu comecei a quebrá-los, acrescentando pequenas rachaduras exatamente no meio de cada um dos corações. E você continuou me olhando, como se aquela fosse a minha atitude mais previsível e óbvia. Porque, no fundo, você entendia que era aquilo que eu precisava: ver todos os corações rachados, para que se parecessem mais com a minha sensação de quebra, de cacos, de falhas e de finais felizes interrompidos. E assim eu rachei todos eles, para me doerem menos, ainda que cada traço que os quebrasse, me doesse mais um pouco. Então mais tarde, te emprestei o meu caderno. E você o segurou no colo, como se segurasse a coisa mais frágil do mundo, e procurou a minha folha preenchida com corações quebrados.
Foi quando aconteceu: risco por risco, traço por traço, você apagou todas as rachaduras dos meus contornos perfeitos. E me devolveu os corações. Inteiros, soltos, simétricos. Você me entregou o caderno aberto e, erguendo uma das suas sobrancelhas, você me sorriu. Então eu soube que aquele seu cuidado com tamanha fragilidade era, na verdade, para mim; para que eu me apoiasse em você e talvez conseguisse ser mais forte. Aquela sua paciência era somente para que o meu próprio coração se sentisse novamente inteiro. E aquele seu sorriso, aliás, era quase o próprio choque de tudo em mim voltando a bater. Porque naquele momento tão terno e tão simples, você me salvou.

E dali em diante eu entendi que, às vezes, seria essencial apagar as rachaduras. E simplesmente continuar batendo.

domingo, 22 de agosto de 2010

Dia 22

Eu não preciso escrever seu nome, mas preciso te escrever, você entende? Preciso escrever sobre aquele carro estacionado perto da calçada, onde você se encosta, e sobre como eu gosto de me balançar para um lado e para o outro na sua frente, fazendo os seus olhos balançarem comigo. Eu preciso escrever sobre a cor desse carro, e sobre as cores que tomei emprestadas dos seus olhos, porque isso também é parte de você. Você que é parte de nós, tanto quanto eu também sou. Então somos o carro, as cores, o balanço e a calçada. Eu escrevo porque preciso guardar todas essas coisas que não posso envolver em plástico bolha, nem nos jornais descartáveis que talvez um dia tenham algumas linhas assinadas por mim. Preciso escrever enquanto meu nome fica somente na sua voz, porque nesse momento é como ele soa melhor. Nesse momento é melhor até aquilo que não soa, porque o silêncio ao seu lado é um grito interno de quem não precisa dizer mais nada. Os seus olhos piscam, e eu me perco nessa fração de segundo enquanto eles se fecham. Mas é tão lindo ser a primeira cena dos seus olhos recém-abertos. Meus corações disparam: um em cada centímetro encostado num centímetro seu. E de repente o carro, a calçada e as cores. De repente seu sorriso se formando, e de repente estar pulsando em sincronia com você que, na verdade, é hoje a minha parte mais pulsante. Eu quero respirar a sua respiração, como se esse fosse o sopro mais puro do mundo, e quero caminhar deixando as minhas pegadas dentro das suas, para saber que vamos ao mesmo lugar. Eu procuro pelas iniciativas e frases que me faltam, mas esses sentimentos me distraem tanto, que eu não encontro nada além de nós dois. Assim em silêncio, quando nos observamos como se fôssemos o inacreditável um do outro. E para mim você é. Para mim, é você. Então escrevo para que continue sendo, mesmo que um dia não seja mais, entende? Nosso por enquanto é quase eterno. E eu não preciso escrever seu nome, mas preciso te escrever. Rabiscando meus cadernos durante as aulas, preenchendo as folhas com palavras que insistem em ter as mesmas letras que as suas, e que por isso, me encantam mais. Eu preciso te escrever agora mais do que antes. Enquanto o mundo permanece o mesmo, enquanto as pessoas ainda bocejam e se entediam, enquanto os telefones ainda tocam e as assustam... enquanto a vida continua para todos esses rostos onde procuro sem sucesso os seus traços. Eu me pergunto como tudo pode parecer tão igual se já nem é. E surge essa necessidade de frases, parágrafos, páginas, capítulos... tudo para ser mais fácil essa percepção, essas respostas, essas vidas, esses bocejos, esses telefonemas e esses traços. Eu preciso te escrever. Entende isso: depois do meu coração, as palavras são o lugar mais seguro que eu encontrei para nós.

sábado, 21 de agosto de 2010

I'll never forget you

Eu estava aqui sonhando toda essa dezena de sonhos que emprestei a mim mesma - e que desde então se agregam e se tornam sempre maiores do que eu planejei, como estradas inteiras que se desenrolam apenas porque dei o primeiro passo - quando elas passaram, caminhando tão rápido (e conversando tão alto) pela minha calçada.
- Mãe, eu não me lembro do resto...
- Mas é assim mesmo... a gente sonha toda noite, só que às vezes se esquece.

E, de repente, eu senti um medo enorme de esquecer.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

I always really knew

As minhas palavras às vezes fogem para que esse sentimento venha e me ocupe tão completamente quanto merece - e precisa - ocupar. As minhas palavras, que sempre me pareceram tão próximas, se afastam porque querem nos ver como eu não vejo: assim de longe, à espreita e bem discretamente, para que você não perceba, nem se esconda. As minhas palavras soltam as minhas mãos para que você as segure com mais firmeza, com mais encaixe. E eu me deixo segurar entre esses seus sorrisos interrogativos, entre essas suas expressões soltas e recortadas, que se cravam aqui dentro sem me ferir. Estar ao seu lado me cura, entenda isso: você não me fere. Nem mesmo perder as palavras me machuca, porque nesses momentos eu me encontro mais nítida e inteira do que jamais estive. E em seguida as palavras voltam, como um sopro de ar que me faltasse, para depois devolver o mesmo fôlego de antes. Elas voltam para que eu possa materializar essas sensações todas, ainda que apenas para mim mesma, apenas para nós dois, com esse cuidado nascido da ideia de que mais ninguém precisa ouvir. Elas voltam quietas, sussurradas, abafadas e quase inaudíveis... mas eu as pronuncio, como pronunciaria com as suas mãos vendando os meus olhos: eu sempre soube que seria você.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Dentro

É assim não é? Quando se escreve, é preciso aprender a conviver com essa necessidade constante, interminável, imensa... essa necessidade de escrever sempre, sobre tudo o que nos toca. E tudo é muito. Tudo é demais e às vezes sobra, não se aguenta tanto. Tudo é desde aquela árvore que floriu no verão - e que somente agora eu percebi, quando as flores já estão indo - até aquele sorriso que me acompanhava guardado - esse que agora eu finalmente soltei. Mas veja bem, não se pode escrever sobre tudo o tempo todo. Há coisas que não cabem. Coisas maiores, bem maiores. Coisas bonitas e doces, mas invasivamente profundas, que talvez nos toquem mais do que quaisquer outras. E, nesse momento, é dessas coisas que eu preciso nutrir minhas palavras sem, no entanto, escrevê-las. Estranho... mas é que eu preciso guardá-las. Essas coisas, que de tão leves e delicadas, eu desejo que aconteçam primeiro dentro de mim.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Amizade: s.f. Benevolência; Afeição

Hoje eu me lembrei daquele dia, do qual você talvez já nem se lembre. Afinal são tantas coisas para se lembrar, não são? Mas entre todas elas - guardada com cuidado para não deixar arranhar, amassar ou manchar pelo tempo - eu ainda tenho essa mesma lembrança. Você na porta de entrada da sala, e eu caminhando pelo corredor até parar na sua frente. Era o começo de mais um ano, e era também o meu último naquele colégio, e pelos dois motivos, era primordial que ele desse mais certo do que qualquer um dos outros. Eu e minhas motivações impossíveis... mas lá estava você, parada naquela porta diante de mim. Uma de nossas melhores amigas havia mudado de cidade, de estado, de vida, e de amigos também. E outra delas passaria a estudar na sala ao lado, que era um perto tão distante, e nós sabíamos que seria assim. Mas lá estava você, e éramos as duas necessitadas de apoio, de companhia, de cumplicidade e de bons tempos. Daqueles tempos de sorte e presságios positivos. Acho que todos no fundo somos necessitados de alguma coisa, não somos? Mas lá estava você, e sem dizer nada nós nos abraçamos como se (re)encontrássemos algum conhecido viajante. Mais que isso: como se reconhecêssemos a nós mesmas, uma na outra. E você me olhou do mesmo modo que olha até hoje quando nos revemos, e disse com todas as vibrações agudas da sua voz: "Você está aqui!" E eu, com minha voz igualmente (ou mais) aguda, respondi: "Estou aqui! Você também!" E naquele momento bobo, naquele momento de porta de entrada de sala de aula e de início de ano, naquele momento de necessidades e agudos de voz, eu soube que havia encontrado alguém para caminhar comigo. Então, aconteça o que acontecer, guarde uma fração daquela garotinha de treze anos - tão corajosa por se deixar chamar de frágil - e deixe que eu a veja sempre em você. Porque quando tudo parecer errado e sem encaixe, estarei parada na porta de entrada dos seus bons tempos - daqueles tempos de sorte e presságios positivos - para te dizer que, por você e com você, eu ainda estou aqui.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Desperte

"Tente me ensinar das tuas coisas. Que a vida é séria e a guerra é dura. Mas se não puder, cale essa boca. E deixa eu viver minha loucura." (Raul Seixas)

Escolha uma dessas loucuras bobas, que nada atropelam, que a ninguém machucam, que nenhum mal provocam... escolha qualquer uma de suas loucuras adormecidas, e a desperte. Para que não te tornes uma dessas pessoas cansadas, que trazem sempre consigo a sensação nauseante de sustentar o peso do universo nas costas. E se perdoe, e se permita não precisar sustentá-lo. Desperte uma dessas loucuras antes de adormecer, antes de desbotar e confundir-se com aquelas coisas que se perdem de nós pelo caminho. E não se perca.

Medo

Eu quero vomitar essas incertezas todas que me amargam. Eu quero abortar esse medo camuflado entre todos os meus desejos insanos e também inseguros. Eu quero colocar para fora essas dores que me voltam em Agosto, como bobagens tão pequenas quanto cacos finos de vidro encravados nos meus pés. Eu quero caminhar sem senti-los, sem que se enterrem ainda mais fundo enquanto não assumo a coragem de pinçá-los e jogá-los fora. Se explico, me dizem que são coisas pequenas, miudezas, insignificâncias... então eu guardo as minhas explicações no mesmo lugar onde afundo minhas angústias. E as mastigo sozinha. Secas, ácidas, travadas. Minhas angústias de elevador nunca descem completamente. Elas caem e depois voltam. Como a terra que decanta no fundo de um copo com água, e que inevitavelmente sobe quando é revolvida. Então estou revolvendo na lama que fiz com minhas águas e minhas terras? Talvez. Mas essa chuva que não deveria chover em Agosto, esse frio quando meu casaco já nem esperava sair do armário, essas nuvens, esses sinais de ausência de obviedade no tempo... tudo se torna tão pouco óbvio que eu não posso prever. E sinto mil espécies diferentes de um mesmo medo - mil cruzamentos híbridos entre o que eu desejo e o que eu me proíbo desejar. Pessoas partem, vidas seguem, sabores se dissolvem. E eu espero pelos dias em que minhas angústias vão decantar no fundo de mim mesma, quietas, densas, inertes. E me perdoe pelo peso das palavras: eu espero pelas minhas angústias mortas. Para me sentir mais viva.