Debaixo daquele pé de carambola, eu era qualquer coisa ou criatura que desejasse ser além de mim mesma. E dentro do meu coração não havia espaço mais elástico e gigantesco do que esse: me reservar o direito de às vezes não ser. A mim, que sempre tive medo de me perder entre sorrisos educados e polidez social, aquilo era um resgate. E eu, passivamente, me deixava resgatar.
Debaixo daquele pé de carambola, eu parti mil vezes para lugares onde jamais estive. Eu acreditei ver o mundo, ganhar o mundo, sentir o mundo. O meu mundo. Aquele que se conquista aos cinco anos, quando é preciso olhar para cima e ter certeza de ser pequeno demais para ultrapassar o outro - e enfim, se ultrapassa.
Ali eu era aquela garotinha branquinha e quietinha, mas nos meus inhas eu era enorme, incansável, indestrutível. Ali eu poderia ser, ao mesmo tempo, uma princesa e uma heroína - mesmo que (essencialmente) eu sempre me sentisse muito mais indefesa numa torre, do que sob qualquer outro contexto mais corajoso ou atuante. Mas ali, eu atuava. Minhas torres. Meus dragões, meus príncipes, meus heróis.
Debaixo daquele pé de carambola, minha avó aparecia enfim para me lembrar que ainda existia realidade. E, talvez para que não doesse tanto o choque, ela deixava que eu escolhesse e levasse uma rosa do jardim. E as minhas rosas eram, aos meus cinco anos, a certeza de que eu tinha vivido tudo aquilo. Sim. As rosas da minha avó - que se tornavam minhas rosas - eu trazia presas entre as mãozinhas, apertando no peito até acidentalmente me cortar. Elas eram a minha garantia de que aquele meu mundo existia de fato, e que para ele eu poderia sempre (sempre) voltar.
Alguns anos mais tarde, a última coisa que entreguei a minha avó foi também uma rosa, antes que ela se despedisse de mim. E dessa vez o choque doeu, mas novamente aquilo pareceu uma certeza de que alguém tinha vivido tudo aquilo. Sim. A minha rosa - que se tornou a rosa da minha avó - eu carreguei outra vez apertando no peito até propositalmente me cortar. E ela foi a minha garantia de que amor existia de fato, e que para ele eu poderia sempre (sempre) voltar. Eu, minha avó e as rosas.
E a regra de vez em quando, querer estar debaixo do mesmo pé de carambola.
Todo mundo tem o seu pé de carambola. Alguns apenas ainda não se deram a chance de descobri-lo.
ResponderExcluirEu, particularmente, gosto mais de estar no meu mundinho, fantasioso ou não. Afinal de contas, a minha verdade sou eu quem invento.
xx
Sabe que dessa vez eu chorei. Gostaria que meu pé de carambola o de romã e o de manga fossem assim como uma linda lembrança, poética e saudosa, mas neles contém apenas tristeza e saudade; muita saudade; só que uma saudade dolorida.
ResponderExcluirComo aquelas lembranças que não se devem lembrar.
Não gostaria de sentir isso, mas foi o que me lembrei ao ler esse texto. Há um pouco de mim nele. Enfim, você é "soda", kk". Beijos.
Que lindo. *--*
ResponderExcluirTenho saudade do mundo que eu criava quando era pequena e dos meus amigos imaginários... e sei como é difícil se despedir de alguém assim. Só aí a gente vê o quanto amava essa pessoa. E dói.
beeeijo ;*
Nós e os nossos lugares "maravilhosos". Infelizmente, devido minhas mudanças frequentes, não tive a oportunidade de criar um lugar (físico) para meus devaneios. Então, com o tempo (não muito tarde), aprendi que esse lugar poderia ser ali pertinho de mim mesmo. Entre o peito e coração eu pulsava meus sonhos e meus desejos.
ResponderExcluirVocê precisa ver como está tudo aqui dentro atualmente! Cada vez maior e mais intenso! Rs'
Sua fofa... lendo seu texto agoa me deu uma vontade de escrever. Descobri uma nova fonte de inspiração!
Enquanto eu conseguir roubar sorrisos de meus leitores, saberei que está valendo a pena meus minutos depositados na escrita.
O meu beijo.! ;*
Que tal mudarmos essa situação? agora? Juntos, existe uma saída. Claro que a vida nãó é tão simples assim e nem sempre querer é poder. este texto me tocou profundamente, mas penso que nem todo mundo tem um pé de carambola e do jeito que o homem devasta a natureza chegará um tempo que não teremos... Ufa! deixa eu respirar enquanto posso. o que faremos? Eis a pergunta.
ResponderExcluirTernura sempre!
Tmb nao criei um lugar fixo...Mas nos lugares que já passei vejo a mudança que ali ocorreu...o homem esta acabando mesmo com o que é dele por direito...assim provando que somos incapazes de mudarmos um pouco de nos mesmos....
ResponderExcluirbjos
pois é, um sorriso pode ser a vírgula da nossa história. pode mudar todo o contexto em que vivemos. :)
ResponderExcluirque liiindo! conseguiu mostrar exatamente a excência de ser criança! mas uma coisa que não consegui ainda decifrar: a avó da história (seria ela real?) faleceu ou somente viajou para outro lugar?
enfim, mais um texto perfeito! *u*
:*