quinta-feira, 29 de abril de 2010

Meu pé de carambola.

Debaixo daquele pé de carambola, eu era qualquer coisa ou criatura que desejasse ser além de mim mesma. E dentro do meu coração não havia espaço mais elástico e gigantesco do que esse: me reservar o direito de às vezes não ser. A mim, que sempre tive medo de me perder entre sorrisos educados e polidez social, aquilo era um resgate. E eu, passivamente, me deixava resgatar.
Debaixo daquele pé de carambola, eu parti mil vezes para lugares onde jamais estive. Eu acreditei ver o mundo, ganhar o mundo, sentir o mundo. O meu mundo. Aquele que se conquista aos cinco anos, quando é preciso olhar para cima e ter certeza de ser pequeno demais para ultrapassar o outro - e enfim, se ultrapassa.
Ali eu era aquela garotinha branquinha e quietinha, mas nos meus inhas eu era enorme, incansável, indestrutível. Ali eu poderia ser, ao mesmo tempo, uma princesa e uma heroína - mesmo que (essencialmente) eu sempre me sentisse muito mais indefesa numa torre, do que sob qualquer outro contexto mais corajoso ou atuante. Mas ali, eu atuava. Minhas torres. Meus dragões, meus príncipes, meus heróis.
Debaixo daquele pé de carambola, minha avó aparecia enfim para me lembrar que ainda existia realidade. E, talvez para que não doesse tanto o choque, ela deixava que eu escolhesse e levasse uma rosa do jardim. E as minhas rosas eram, aos meus cinco anos, a certeza de que eu tinha vivido tudo aquilo. Sim. As rosas da minha avó - que se tornavam minhas rosas - eu trazia presas entre as mãozinhas, apertando no peito até acidentalmente me cortar. Elas eram a minha garantia de que aquele meu mundo existia de fato, e que para ele eu poderia sempre (sempre) voltar.
Alguns anos mais tarde, a última coisa que entreguei a minha avó foi também uma rosa, antes que ela se despedisse de mim. E dessa vez o choque doeu, mas novamente aquilo pareceu uma certeza de que alguém tinha vivido tudo aquilo. Sim. A minha rosa - que se tornou a rosa da minha avó - eu carreguei outra vez apertando no peito até propositalmente me cortar. E ela foi a minha garantia de que amor existia de fato, e que para ele eu poderia sempre (sempre) voltar. Eu, minha avó e as rosas.
E a regra de vez em quando, querer estar debaixo do mesmo pé de carambola.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

N.

Eu poderia encontrar uma forma, dessas formas que as pessoas procuram e quase nunca encontram. Voltar no tempo por oito ou dez anos. Eu encontraria por você. Uma forma de voltar atrás e avisar a mim mesma que ali era o começo. Ou dizer para começar um pouco antes, você se importa? Assim teríamos mais tempo, mais histórias, mais datas, mais segredos, mais conversas. Teríamos ou não?
Talvez eu, que jamais entendi perfeitamente esses filmes, esses livros, essas mágicas de se voltar atrás, talvez eu, que sempre me encantei e assustei com esses efeitos, e que nunca soube medir com certeza se as consequências valeriam de fato a pena, talvez eu aprendesse a deixar que as coisas apenas aconteçam.
Porque se eu te contasse há oito ou dez anos como seria o futuro, ele hoje não teria a mesma graça de ser metade surpresa, e metade velhos planos. Porque você sequer planejaria. E todas as nossas conversas, todos os nossos segredos, todas as nossas datas, todas as nossas histórias passariam a ser forjadas, e eu não me sentiria tão sortuda assim.
É que a melhor parte de esbarrar com você em minha vida, é não precisar estar à espera. É justamente não esperar mais nada, e de repente te ver chegar. Porque se a amizade é mesmo matéria de salvação, você incansavelmente me salva. E no seu "eu te entendo", fica mais fácil entender que sim: não haveria um caminho de volta para mim, que não tocasse ao menos em uma curva do seu. Para que, enfim, nós caminhássemos até aqui.
Então se eu pudesse, acredite, se eu voltasse, desejaria apenas poder nos ver. Há oito, dez ou doze anos, eu desejaria apenas assistir todas as coincidências tão frágeis, que nos trouxeram tão fortemente até onde estamos. E eu assistiria ao seu sorriso de onze anos de idade, para ter (mais uma vez) a certeza de que um dia no futuro ele motivaria o meu.
E eu diria àquela menina baixinha e loirinha para não se preocupar. Diria para ser paciente e generosa consigo mesma, porque todas as coisas que ela viesse a desejar, mais cedo ou mais tarde iriam realmente acontecer. Diria que não piscasse muito os olhos, porque esses detalhes passam rápido demais. E diria enfim que não pensasse muito, porque tudo sempre terminaria bem.
- Mas qualquer coisa, garotinha, vai haver alguém por perto para te salvar.
E então disto em diante, eu estaria sempre com você.

domingo, 18 de abril de 2010

Não pense muito.


Preste atenção em como você respira e, de repente, vai estar apenas respirando. Isso. Respire. Não pense muito. Esqueça que machuca, esqueça que dói. Esqueça essas casquinhas que são tiradas antes de cicatrizar. Vamos, esqueça. São apenas pessoas, quase todas tão nervosas e inseguras quanto você. São só sorrisos, só gentilezas, só formalidades. Sorria de volta. Sorria e cumprimente, não pense muito. Sim, vamos, respire. Desligue o telefone e não responda. Depois desapareça por um dia ou dois. Deixe que eles se perguntem para onde, e somente então adivinhem porquê. Sim, você desaparece e depois volta para garantir que tudo vai mesmo terminar bem. Depois você volta, depois você atende, depois você termina, depois você conserta, depois você resolve. Por enquanto não pense. Vamos, respire. Apenas isso: respire. Vai haver outro dia, e esses dias outros todos serão meses, anos e vidas. Vai haver outra chance, e também uma segunda história - que te faça lembrar-se um pouco menos da primeira. Então não lembre. Vamos, faça força, não lembre. Haverá outro cara, depois outro e mais outro. E um deles vai saber quantas colheres de açúcar resolvem o amargo do seu café, e isso vai impedir que o mundo às vezes amargue você. Porque ele (apenas um deles) vai conhecer cada parte sua, até ser em parte um pouco de você. Sim, ele virá (virá mesmo?) qualquer dia. Então espere, não pense muito. Finja ter se tornado o que esperavam e, por dentro, mude apenas o que seu coração quiser. Respire, vamos. Isso passa e você até se distrai. Como quando tinha três anos e um brinquedo novo te fazia esquecer-se do velho. Vamos, brinque. Estale os dedos, passe a mão nos cabelos e prenda. Depois solte. Isso, continue, não pense. Esqueça que batia os pés, esqueça que ficava vermelha. Algumas pessoas esqueceram também. Respire e é só. Pelos textos, pelos bombons, pelos esmaltes, pelas coisa sérias, pelas coisas fúteis. Também porque há outros respirando, outros pensando, há outros tentando não pensar. Então também não pense. Abaixe a cabeça e olhe para as unhas. Vamos, vamos, disfarce. Morda os lábios, tente voltar para a letra daquela música, tente se manter naquela mesma sensação. Aquela, de quando você puxava o cobertor e dormia abraçada com o (seu) mundo, sabendo que as noites seguintes viriam, e que dentro delas você esqueceria seus dias ruins. Não. Novamente os dias ruins. Novamente respire e não pense. Desvie. Procure uma caneta, qualquer uma. Vamos, esqueça. Repasse mentalmente as suas listas: antes dos 20, antes dos 30. As datas. A festa. A prova. A entrega. Entregar o quê? Não precisa, não pense. São só uns minutos, até que você se sinta segura outra vez, até que você esteja quieta e tudo volte a parecer quase normal. Isso, respire. Já vai, já passa. Não pense muito. De repente, você vai estar apenas respirando. E mesmo que tudo lhe pareça assim errado, por enquanto não pense. E então todos vão pensar que tudo (enfim) está bem.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Minha Neologia quer saber.

É que todos nós provavelmente já vivemos ou percebemos algo que jamais precisou ser dito para que acontecesse, para que existisse, para que apenas fosse, e fim. Mas todos nós já desejamos ou tivemos, por vezes, a necessidade íntima (e talvez mesmo inerente) de dizer. A necessidade de que se pudesse tocar ou sentir aquilo. Aquilo que poderia ser mais real quando escrito ou falado. Não poderia?


Minha Neologia quer saber
: Para as coisas ditas (escritas ou faladas), você acredita que exista uma forma correta e uma forma incorreta de comunicação? Você se considera preconceituoso(a) em relação aos desvios da norma padrão do Português?

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Mais açúcar e mais afeto.

Até mesmo o café parecia mais amargo quando ela mais precisava pensar. Se houvesse mais açúcar e mais afeto, amargariam menos os seus pensamentos, e talvez ela mesma se tornasse mais doce do que costumava ser. Doce demais estraga? Ela achava que sim, mas veja bem, não precisava adoçar tanto. Bastava que conseguisse engolir mais fácil, aceitar mais fácil, resolver mais fácil.
Bastava ser mais fácil.
Estar sozinha às vezes é uma dádiva, quando se quer organizar melhor as coisas dentro de si.
Porque há coisas que bagunçam, coisas que invadem, que desalinham e que nos obrigam a procurar uma parte tranquila de nós mesmos, onde seja possível desabar em paz.
Porque às vezes, é inevitável que se desabe.
E ela poderia sentar em um canto, com as pernas cruzadas, e apenas deixar que o tempo cuidasse de tudo. Dizem que ele sempre sabe o que fazer. Mas é tão estranho ser cuidada, quando se sente tão intimamente essa responsabilidade de cuidar. Então até mesmo o café é mais amargo, porque até mesmo ela (inevitavelmente) se obriga a ser menos doce.
Ser cuidadosa amarga. Desabar amarga.
Mas veja bem, não precisava adoçar tanto. Bastava que conseguisse engolir mais fácil, aceitar mais fácil, resolver mais fácil.
Bastava ser mais fácil, e fim.