sexta-feira, 30 de julho de 2010

Juntas

Agora lá vai você, e eu não estou indo ao seu lado. E é tão estranho, porque nós havíamos entendido que a nossa amizade significaria isso: irmos juntas. Mas você aprendeu a ir sozinha. Sem discutir, sem avisar, sem romper aos poucos, você apenas continua indo e eu sei. Então agora, como eu vou?

terça-feira, 27 de julho de 2010

Arte

Este é para mostrar-lhes o primeiro e o último estágio de uma arte, e de um dos melhores presentes que eu já recebi. É a história de um desenho em um papel, que tornou-se o corte de um tecido, e dos quais sobraram retalhos para costurar outras histórias. É também um fato sobre quem o desenhou: alguém ousado e talentoso, que conheci quando ainda guardava sua ousadia e seu talento dentro de uma pasta azul. E adivinhem: essa é também, e inevitavelmente, uma parte da minha própria história.

(Foto: 1. Desenho do modelo por Filipe Neri /2. O vestido pronto, em mim)


"(...) Nem por sombra corresponde a um simples culto da forma, mas, muito longe disso, a uma particular concepção da arte e, mais em geral, a uma particular concepção da vida."
(Léon Tolstoi)



quarta-feira, 21 de julho de 2010

Minha Neologia

"See I'm all about them words
Over numbers, unencumbered numbered words;
Hundreds of pages, pages, pages for words.
More words than I had ever heard,
And I feel so alive."


Querido blog, este é para você.
Para você, que por vezes foi o lugar que procurei correndo, fugindo, tateando no escuro das coisas que me atingiam, para achar palavras que por acaso me salvassem. Este é porque naquele Janeiro, há alguns meses mais do que um ano atrás, eu não tinha pretensão de te levar por tanto tempo. Mas você me levou. Você me trouxe, aliás. E aqui eu ancorei minhas decepções, meus medos e minhas despedidas intermináveis, enquanto nadava incansavelmente à procura de um porto onde encontraria a mim mesma. A verdade é que eu ainda não encontrei, mas quem se encontra? Talvez seja essa a magia e a maldição: mergulhar e nadar, vindo à tona recuperar o fôlego, sem jamais encontrar-se ou aportar definitivamente.
Mas este não é sobre mim, é sobre nós. E é para você, querido Blog, no qual abandonei rascunhos não publicados, que ninguém chegará a ler. Eu que tantas vezes te confundi com meus cadernos fechados no armário do quarto, e com os livros que um dia sonhei em escrever. Sinto-me presa de um modo libertador, como se me houvesse viciado em algo não material. E é provável que poucas pessoas me entendam. Mas tudo bem, não é? Tudo bem se me entendes, já que me ajudas a entender.
Querido Blog, acho que ambos devemos agradecimentos a cada comentário, a cada seguidor, a cada acesso anônimo que me faz adivinhar rostos e supor identidades. Agradeço escrevendo, porque não sei fazer de outra forma. Percebes, querido Blog, que todas essas pessoas, todos esses dedos que nos teclaram mensagens por todo esse tempo, são também fiéis a nós. E fazem parte do que enxergam aqui, mesmo que eu nunca tenha lhes contado de minha gratidão. Eu lhes contei?
Não digitei tuas treze letras à toa, querido Blog, reparas bem. Não procures um sentido muito lógico, porque não há. Mas bem sabes que és mesmo meu - tens a cara de meus delírios, de minhas obsessões, de meus desejos e de minhas vontades. E és mesmo um neologismo - tens também a abrangência das coisas recentes, modificadas, já que nunca suponho em excesso o que escreverei da próxima vez. Terias o cheiro de um livro de páginas novas, se eu pudesse te materializar. Mas, terias também a sensação de coisas antigas, depois de serem renovadas. Porque as prefiro assim.
Querido Blog, mesmo que despretensiosamente, lembro-me por que criei você. Lembro-me, e sentiria-me desleal, caso esquecesse. Você acredita? Nem eu; mas é daquelas verdades que não precisam que alguém acredite. Acontece e é só. Me apaixonei por você, e por te escrever. Esquecer por que começamos, seria trair a sua espera, as suas recepções diárias, sua resignação à minha vontade (temperamental) de escrever. Um dia publicarei outras coisas, nós dois sabemos. Falarei a outras pessoas, abandonarei outros rascunhos e me apaixonarei novamente. Mas por enquanto é somente você. E este texto é seu. Para você que não nasceu para esperar a faculdade de Jornalismo, mas para esperar por mim, e fim. Você que não surgiu para que outros se apaixonassem, já que és mesmo uma paixão particular.
É que escrever não significa desentortar minhas inseguranças, fazer propaganda de atributos que sequer possuo, ou promover qualidades que são bonitas apenas quando não se admite ter. Bem sabes. Escrever é um resgate que sempre me faz efeito, um acalento para embalar minhas angústias enquanto a coragem me empurra a mais um passo. Escrever é esse espaço imenso, branco, ávido de ser preenchido, como corpos ávidos um de outro. Escrever é físico, (senti)mental, pleno. E se em ti eu escrevo, querido Blog, para mim tens igual plenitude. Eu te desejo e me sacias. Não para que considerem literalmente interessante, mas somente para que os que se importam, considerem. Gosto que gostem de nós, entendes? Mas se sentires medo, direi que não precisas de aprovação, Minha Neologia. Precisas apenas ser escrito. O que se desenrola é consequência.
Este então, é para você; como muito provavelmente foram todos os outros, mesmo que de uma forma indireta. Te agradeço pelo bem enorme que me fazes, Minha Neologia. E confidencio: se eu soubesse dançar de modo deslumbrante, eu dançaria. Se minha voz por acaso soasse terna e também poderosa, eu cantaria. Se minhas mãos fossem mais hábeis, e meus sentidos mais perspicazes, eu encontraria outra forma de arte. Pintar, tocar, compor, interpretar. Mas somente escrevo, como reparas. Escrevo por não saber de que outro modo me tocaria tanto. E jamais duvidei de que fosse essa a resposta. Já aprendi a aceitar que ninguém me decifra o bastante, se não decifrar o que eu escrevo. Acredito nessas coisas da vida assim escritas.
E sou infinitamente grata a quem acredita comigo.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Audrey



"Para ter lábios atraentes, diga palavras doces. Para ter olhos belos, procure ver o lado bom das pessoas. Para ter um corpo esguio, divida sua comida com os famintos. Para ter cabelos bonitos, deixe que uma criança passe seus dedos por eles pelo menos uma vez por dia. Para ter boa postura, caminhe com a certeza de que nunca andará sozinho.
As pessoas, muito mais do que as coisas, devem ser restauradas, revividas, resgatadas e redimidas: jamais jogue alguém fora.
Lembre-se de que, se alguma vez precisar de uma mão amiga, você a encontrará ao final de seus braços. É que ao ficarmos mais velhos, descobrimos porque temos duas mãos: uma para ajudar a nós mesmos, e outra para ajudar ao próximo."

(Audrey Hepburn)

sábado, 17 de julho de 2010

Me emprestas?

Para E., para D., e para P.


Se me emprestas teus dias, eu já não me preocupo com o que fazer dos meus. Quantos deles vocês fizeram, quantas coisas eu imagino que vocês fariam, quantas vezes até hoje vocês me fazem.
E se me empretas teu sotaque, eu digo que sinto uma falta imensa de ti. Digo que seu espaço em minha rotina continua em branco, opaco, triste e inerte, enquanto te espero voltar. Você volta, não volta? Para afastar essa inércia e essa tristeza que às vezes me consomem. Volte para colorir meus espaços, e encher os vazios com as suas filosofias de final de baile. Volte para que eu possa te ensinar palavras novas - que para mim já pareceram velhas e empoeiradas - e observar seus sinais de surpresa e admiração. Volte para me ouvir resignadamente, e eu te falo dos meus planos enquanto tento colaborar com os seus. Volte, porque seu sorriso tão aberto me vasculha e desenterra esse afeto em alguns segundos. E ser sua amiga - mesmo assim de longe - é meu modo de sempre voltar para ti.
De quando me emprestas tuas brincadeiras despreocupadas do mundo, eu digo que não me preocupo estando contigo. Digo que te deixaria me levar ainda mais alto nesse seu universo que eu desconheço. E eu não teria medo, estando com você. Você me leva, não leva? Para torcer pelo seu time sem saber exatamente como demonstrar - esperando apenas que você soubesse que estar ali já era minha demonstração. E sendo sua amiga eu torcerei sempre, nós sabemos. Torceria inclusive para que essas coisas que já me irritaram - e no fundo me cativaram - não mudassem jamais: suas cócegas em minha cintura, suas garrafas de água em minha farda, suas brincadeiras em minhas seriedades, suas aventuras em minhas rotinas agendadas. É que você me salvou tantas vezes e nem sabe. Eu deixei que soubesse? Sua amizade me deu a chance de todas as coisas que aquela garota mimada talvez jamais conseguisse perceber sozinha. E tendo você por perto, eu percebi.
Para que me emprestes a banca ao lado da tua, eu diria que te deixava sentar ao meu lado, estar ao meu lado, e ser um dos lados meus. Hoje digo que você se tornou minha companhia por tanto tempo, que a nossa coleção catalogada de boas lembranças, faz com que continues me acompanhando. E seu lugar continua a ser seu. Assim como os apelidinhos que pronuncio sempre lembrando de como costumávamos ser. Você lembra, não lembra? As manhãs, os segredos, as apostas, as desculpas, as ideias e as piadas. Eu posso ainda ser sua chocólatra, e você ainda será meu zinho. Talvez eu nem tenha te contado que aprendi a não ficar tão vermelha como antes, contei? Mas esse antes era tão bom e tão certo, que eu ficaria outra vez para voltar.
E se vocês me emprestam suas gírias, eu tento dizer as coisas que meu dicionário não lhes diz. Me liguei em vocês. Tipo assim... bem mais do que eu planejava. Bem mais do que poderia ter sido, se eu não fosse tão certinha quanto me disseram, e se a sorte não houvesse acertado tanto ao nos aproximar. E cortando essa de distâncias, quilômetros, meses e mudanças, na moral das minhas histórias, sempre haverá uma parte de cada um de vocês. Para me salvar desse tédio, dessas exigências, desses medos, dessa organização excessiva e dessa angústia de me perder entre rostos previsíveis e sentimentos complicados. Porque quando nós estamos juntos, sinto como se em volta tudo se descomplicasse, tá ligado?
Então por favor não mudem, não me soltem, não se afastem mais do que o suficiente para seguirem seus próprios caminhos. Mas assim de longe, assim de dentro, continuem caminhando comigo. Porque - por mais inacreditável que pareça - é sem vocês que eu me perco.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Dans mon cœur

Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. E sinto você, quem quer que você seja. E o mundo. Pulsando dentro de mim.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Zafón


- Do que estávamos falando?
- Da minha falta de coragem.
- De fato. Um caso crônico. Acredite em mim. Vá buscar sua garota que a vida passa voando, especialmente a parte que vale a pena ser vivida. Você viu o que o padre disse. Passa muito rápido.
- Mas ela não é a minha garota.
- Pois conquiste-a antes que outro o faça, especialmente um soldadinho de chumbo.
- Você fala como se ela fosse um troféu.
- Não, como se fosse uma bênção - corrigiu Fermín. - Olhe, Daniel. O destino costuma estar na curva de uma esquina. Como se fosse uma linguiça, uma puta ou um vendedor de loteria: as três encarnações mais comuns. Mas uma coisa que ele não faz é visitas em domicílio. É preciso ir atrás dele.

(Carlos Ruiz Zafón. A Sombra do Vento. Rio de Janeiro: 2007)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Se-pa-ran-do

Eu lembro de estar com os fones nos ouvidos, e desejar amplificadores no banco ao meu lado, para abafar qualquer ruído, e afastar qualquer incerteza que me impedisse de continuar. Aliás, a verdade é que eu não teria continuado. Mas o carro era dirigido por outra pessoa, e eu só precisava permanecer quieta, aumentar mais um pouco o volume das minhas músicas e olhar pela janela. Enquanto as coisas passavam e a cidade inteira girava muito, muito rápido, eu começava a me sentir enjoada como se a inércia interior me impedisse de acompanhar o mundo e, por isso, eu precisasse a qualquer momento ser lançada, arremessada. Como se a qualquer milésimo de segundo de uma piscada dos meus olhos, eu pudesse cair. E talvez, intimamente, eu desejasse isso mais do que a qualquer outro passo, qualquer outro giro dos pneus na direção óbvia da estrada.
Você já sentiu-se separando de alguém? Como quem está inerentemente obedecendo a um comando cósmico, pré-determinado, socialmente aceito ou simplesmente a uma ordem incontestável? Naquele dia, eu lembro das notas da música que meus fones me cantavam, e lembro das cores que se misturavam com vidro e com reflexos na janela que eu olhava. Mas a parte que mais me volta é a sensação de separar-me. Indo para um lugar enquanto as pessoas com as quais sempre havia estado, iam para outro. Sem precisar de meus conselhos, de meu nome, de minha permissão ou de minha presença. Lembro de precisar infinitamente de cada uma delas e ordenar a mim mesma: não precise. Havia outras pessoas, outros sorrisos cúmplices que - eu viria a descobrir mais tarde - eram por vezes mais sinceros. Mas no momento, me doía. O som, o vidro, a música, o vento e qualquer coisa que resolvesse fazer parte daquele dia.
Não sei bem porque lembrei dessa cena exatamente agora, mais de dez meses passados, depois de ter aprendido a deixar esse roteiro inteiro desbotar. Já que apagar eu não posso. Porque de todos os passos seguintes, de todas as seguintes voltas dos pneus naquela ou em outras estradas, eu precisei levar uma fração daquele dia. Para ser mais solta, para desprender como velcro, abrir e separar como um zíper, não como costura amarrada. Naquele dia eu não deixei de gostar das pessoas que se bifurcaram de mim. Eu apenas passei a levá-las mais leves, ao lado e não tão por dentro. Naquele dia, quando outras pessoas me disseram "estou aqui", eu aprendi a estar. E inevitavelmente, passei a conseguir o que apenas as pessoas que eu não admirava conseguiam: estar sendo algo por fora, mesmo quando no fundo não sou.
E naquele carro, enquanto pressionava os fones com meus dedos contra os ouvidos, eu os imaginava rindo ao fazer planos que não me incluíam. E imaginei incansavelmente, até excluir-me daquilo tudo. Até encontrar outros lugares onde coubessem as minhas antigas inseguranças - e também as novas que surgiram dali. Lugares que, caso a alguém interesse saber, eu encontrei.
E ninguém precisa ter lido até o final, ou compreendido tanto quanto apenas minhas desconfianças disfarçadas hoje compreendem. Passados mais de dez meses, eu só precisava dizer o que nunca fora dito. Já que ninguém faz mesmo ideia do quanto eu mudei naqueles minutos que me levaram de casa até onde eu deveria ter estado desde o começo. Eu só precisava escrever e sacramentar: naquele dia, uma parte de minha fé nos outros saiu para passear com minha ingenuidade. E jamais elas voltaram inteiras. Naquele dia eu fui mais filha única do que sempre fora, atestando meu próprio segredo de infância: aprenda a não precisar de alguém para brincar com você. E naquele dia, eu me bastei.