sábado, 3 de julho de 2010

Bons tempos

- Vai ficar tudo bem - ela repetiu mais uma vez para si mesma, enquanto ele a observava falar sozinha novamente - vai ficar tudo, tudo bem.
E dessa vez, estava convencida. Já nem sequer lembrava quantas vezes havia repetido aquela mesma frase, mas isso não importava muito. Estava impressa, gravada, riscada por dentro dela: tudo ficaria bem. Não seria mais preciso despertar assustada e chorar um daqueles seus choros fortes e sinceros. Não mais o choro, não mais a sensação da noite, do susto e da nitidez dos sonhos. Não mais pensar se chorar era amargo ou salgado, nem mais o gosto de estar chorando. Tudo ficaria bem. Era uma sensação de primavera inesperada, fora de época, fugida de algum hemisfério onde a esperavam, para acontecer de surpresa em outro lugar. Era um tempo bom, e o lugar parecia ser exatamente aquele - onde ela estivesse. Afinal, tudo ficaria bem. As menores coisas se encaixavam, os menores fatos se concatenavam para que sim. Então sim. A afirmação de todos os seus sentidos e de todos os seus planos, que talvez nem mesmo houvessem deixado de ser falhos. Não importava. Falhar às vezes causava melhores efeitos: era entropia. Imprimir em si mesma aquela convicção de que as coisas ao redor estavam dando mais certo, estranhamente não lhe parecia a máscara de um otimismo exagerado - daqueles que servem para abafar os medos, quando varremos o que nos dói para debaixo de um tapete de boas previsões. Não era o tapete, não era previsto, nem era ótimo. Era somente certo: tudo ficaria bem.
- Você não consegue perceber? - ela perguntou.
- Percebo que você está animada - ele respondeu - está... diferente.
Diferente, isso também. Mas havia todo o resto, todos aqueles sinais que ela chamaria de cósmicos se acreditasse mesmo que eram. Havia cor e havia uma vontade repentina de convidar o mundo para entrar e visitá-la. Uma vontade imensa de entrada em qualquer fase desconhecida, qualquer nota mais aguda para despertar-se daqueles dias mudos de antes. Uma música conhecida e um volume novo, mais alto. Não precisava pensar no que restara guardado em suas gavetas, dentro e bem no fundo dela mesma. Pensar agora, não. Porque até mesmo aquelas frases de seus livros preferidos, lhe pareciam agora um recado exato. Mas que boba. Não conseguira decifrar os próprios códigos, e agora imaginava interpretar mensagens de um futuro quase doce. Sempre motivos para dar mais um passo. Então, enfim, ela sorriu.
Tudo ficaria bem. Impossível que ninguém notasse.

3 comentários:

  1. Muito verdadeiro tudo o que foi dito. No fim, tudo dá certo :)

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  2. Muitos bons fluidos. Me fez sorrir. :}

    Como ninguém pode perceber, afinal?

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  3. No fim, tudo se resolve e tudo fica bem.
    E por mais que pareça que o tudo vai desabar, há sempre algo que nos dá força pra segurar!

    Beijãao =*

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