quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Dois mil e 10.

Admito que chega a ser uma dor agradável, essa de olhar para trás. Você lamenta porque algo terminou, mas continua grato por ter acontecido. Mesmo que ainda exista tanto para acontecer.
E há. É como me espanto, e ao mesmo tempo me salvo de estagnar. Há tanto enquanto vemos tão pouco. Há tudo o que existe à nossa frente - que mais cedo ou mais tarde acabará esbarrando em nossas distrações - e há também o que fazemos diante de qualquer perspectiva para um futuro. Sim, há um futuro. E, adivinhe, me parece sempre tão mais fácil pensar assim. Como se qualquer coisa de mal estivesse suficientemente fora de meu alcance, ou como se qualquer possível erro guardasse suas esperanças de ser consertado. É que há tantas pequenas chances invisíveis (digo invisíveis, para nos redimir do fato de não querermos enxergá-las) esperando para serem aproveitadas. Então me pergunto: e nós, esperamos o quê? Um aviso, uma placa, uma faixa para ser cortada, um convite, um pedido, uma data festiva ou uma promessa? É que eu (mais uma vez) também não sei. Mas espero, e aceito.
Aceito os novos dias que virão. E aceito também os novos rostos, os novos nomes, as novas rotinas, os novos planos, as novas manias. Aceito o que entendo que está a caminho, bem devagar, mas que cedo ou tarde cruzará as mesmas linhas que eu. Aceito igualmente as coisas que já tenho, porque há tantas delas que preciso que permaneçam. E aceito, antes e ainda mais, as pessoas que já me fazem parte - por assim dizer - e que me parecem frações de mim mesma, espalhadas em tantos lugares onde nunca cheguei. É que através delas, me sinto sempre um pouco mais viva, como se a cada uma existisse uma nova parte desconhecida das minhas outras partes. Talvez você me entenda. Dividir-se é tão fácil quando encontramos pessoas das quais gostamos de verdade. E mais fácil ainda, quando nos reencontramos nessas pessoas. Então, aceito o reencontro. E desejo que você aceite também.
É que há tanto ainda para acontecer.
Enquanto dormem as próximas chances, desejo que você as observe, até despertá-las. Que faça com que sejam suas, e que sejam válidas - para toda e qualquer forma de se valer a pena. Você sabe, isso que chamamos de futuro, daqui a outra fração relativa de tempo estará terminado. E admito que chega a ser uma dor agradável, essa de olhar para trás. Você lamenta porque algo terminou, mas continua grato por ter acontecido. Mesmo que ainda exista tanto para acontecer.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Negligencie também.

Este é para me desculpar. Não com os números que apareceram no meu contador de visitas - eu nem mesmo me prendo somente a números, porque números nunca gostaram de mim. Mas para me desculpar com quem tenha esperado alguma palavra nas últimas semanas, e não a tenha encontrado. Ao menos, não aqui. E espero que a palavra esperada tenha chegado de alguma forma aos que a procuravam, mesmo que por outros meios, dos quais eu não tenha participado, confesso. E é estranho não participar. Tem sido estranho o bastante, aliás. Acho que me acostumei a registrar o que escrevo, e acostumei tanto, que agora preciso conviver com a falta constante de alguma coisa. Na verdade, escrever me completou em ocasiões em que fui caquinhos divididos de uma coisa só. E me ajudou, muito mais do que ajudei aos outros - fato que lamento, mas aceito. Inclusive nas vezes em que pensei "ninguém vai querer ler isso", tive este isso para me ajudar. Então hoje me pergunto por que não tenho escrito, e tenho tantas respostas que não escreveria, por assim dizer - mas que também me ajudam, como se negligenciassem um dos meus graves erros, e fingissem não ter visto nada. E se alguém viu, negligencie também. Eu me desculpo, e agradeço. Pela leitura, pela companhia, pelos números que um dia talvez aprendam a gostar de mim, e pela paciência dos que fazem vista grossa às falhas, e pescam com tanta delicadeza uma qualquer coisa de útil que esteja aqui.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Das fotografias.

É uma câmara escura, e nossas fotografias estão penduradas para secar. Penduradas para que possam ser - meu bem, o que você preferir que sejam - recortes de papel, ou acontecimentos recortados. E me parecem satisfeitas em mostrar pequenas pausas do que pretendemos guardar. São como sentimentos embrulhados, e somente isto já faz sentido para mim.
Deixe-me desembrulhá-los, para que você entenda.
Meu bem, você não precisa acreditar em tudo que vê. Mas, por favor, não seja tão superficial quanto aqueles que se acham profundos e que não acreditam em nada. Nós enxergamos o que temos capacidade para enxergar. Então, meu bem, se enxergue. Deixe que os outros vejam somente sorrisos formais. E ria por dentro. Apenas você pode saber com certeza se sorriu sinceramente ou não.
E não é isso que importa?
Eu confio, meu bem, que poderei ver seu rosto fotografado, quando eu começar a sentir medo de esquecê-lo. Mas você sabe, eu não esqueceria.
É uma câmara escura, e nossas fotografias estão penduradas para secar. A verdade é que elas me servem de passaporte para voltar aos instantes que precisei deixar passar. É que nem todas as cenas que se fotografam são forjadas, quando por trás delas houve verdade - e quando tudo teve seu momento e seu motivo para acontecer.
E, meu bem, continuará acontecendo.
Afinal, foi esse o nosso plano. Viver, e pendurar para secar.

domingo, 29 de novembro de 2009

Dizer é quase dar à luz.

Há coisas que penso - com respeito ou não - que eu não falaria a ninguém, e talvez nem mesmo em voz alta, para que inclusive eu, não precisasse escutar. E há, opostamente, coisas que eu poderia contar ao mundo. Algumas estão esperando que eu as escreva. Outras, esperando que eu ganhe coragem e as perca, gritando-as até cansar a voz. E estas últimas, talvez, esperem para sempre, sem que eu me torne corajosa o bastante para que sejam ditas.
É que as coisas ditas, vivem. Às vezes, nos escapam acidentalmente, e depois não sabemos como recuperá-las. Palavras, palavras, que se pode fazer? Correr ao alcance, como se corre (inutilmente) atrás de pipas que sabem voar? Dizer é quase dar à luz. Deste jeito que percebo o quando é arriscado, e o quanto não há salvação, sem antes haver o risco.
Sobre o que não digo, prefiro que não me questionem. É que me flagro imaginando o que não se deve questionar a alguém - deve-se apenas deixar que aconteça. Mesmo sem ser dito, e por assim dizer, sem estar vivo. Acontece. Quando (de tão imaginado) se torna maduro o suficiente para cair. Como se minha imaginação fosse uma espécie de pomar, que casualmente oferece bons frutos. Enquanto eles estão verdes, me assusto supondo que alguém possa adivinhá-los; que alguém possa, apenas olhando para mim, decifrar o que censurei para não ser decifrado. Invasivo é pensar que outra pessoa possa colher o que penso, em meu lugar.
Não quero que provem o que ainda não ofereci para ser provado.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

É como uma espécie de miopia.

Me deparo com momentos em que não me entendo. Então penso que tanto faz. Haveria diferença, se eu apenas não entendesse, sem encaixar um pronome tão pessoal? É que sem esse encaixe, viria o entendimento. Gratuito. Seria tão sem propósito que - como todas as coisas não oportunas - deixaria de fazer sentido. E ainda nem faz.
É que preciso conviver diariamente com manias que, provavelmente, gastaram alguns anos para tornarem-se diárias. Tão incongruentes. Essa saudade das coisas que ainda não parei para viver, ou que somente viverei quando me movimentar o bastante para nem perceber. Saudade dos planos, das vontades, das chances que ainda estão etiquetadas e reservadas para acontecer. E essa ansiedade dos dias seguintes, pelos dias que já passaram e que fui obrigada a deixar para trás - às vezes, sem nem mesmo olhar de volta.
É como uma espécie de miopia, através da qual consigo enxergar mais verdadeiramente o que os outros aparentemente não enxergam. Mesmo que de uma forma embaçada. E é disto que vem a minha nitidez.
Conforto estranho. Há uma certa paz morando ao lado do fato de não saber tudo, mesmo daquilo que eu sei.
Como é tão mais solitário estar com todos os lugares preenchidos à volta, e sentir sensação de vazio. Ou acreditar que se estivessem, de fato, todos desocupados, a ideia da falta talvez não soasse assim tão mal. Talvez.
Me atrapalho e quase tropeço, diante daquelas formas de amor, em que depositamos nossas expectativas, esquecendo (ou fingindo não saber) que a probabilidade das recompensas quase nunca sopra a favor. Qualquer dia desses, tentarei soprar primeiro, como se amor fosse um barquinho de papel - algo pequeno e navegante, que se adapta bem nas poças de algumas chuvas, até se desmanchar. Porque amor também desmancha.
E como se chama o que permanece? Sabe, aqueles caquinhos que fazem com que determinada pessoa seja para sempre aquela determinada pessoa, mesmo depois do que se desmanchou. Como se chamam as coisas que nunca batizaram, registraram ou catalogaram? Penso que sejam essas as que mais quero encontrar, andando mais e mais devagar, até que seus passos alcancem os meus. Coisas inacreditáveis, justamente por sabermos o que são, sem precisarmos chamá-las.
Então deve ser isso. Não entender é uma linha. Estreita e tão instável, que separa o óbvio e o arrebatador, apenas o suficiente para que não se confundam. E até quando não me entendo, adivinho: minha necessidade é somente a de não confundir.

sábado, 14 de novembro de 2009

De tudo.

Ser é um espaço sempre aberto.
É como pequenas lacunas, que preenchemos para nos sentir menos vazios. E isto nos completa.
É como um dos mistérios que guardamos sem que ninguém perceba. É o conjunto de tudo que aparentamos, somado ao que escondemos dentro de nós mesmos. É como uma folha colocada entre duas páginas dos nossos livros preferidos. Como um perfume preso numa roupa dentro de uma das nossas gavetas. Quase, e bem quase, esquecemos. Até que encontramos.
Somos a parte que insistimos em omitir das nossas reações, vontades e textos. O neologismo que inventamos sem contar a ninguém.
Somos nosso segredo. Um daqueles pactos pelos quais se fura um dedo. Uma mão que se coloca perto do ouvido de alguém, para abafar um grande boato. Uma mensagem escrita em códigos, às vezes fáceis de se decifrar. Não pretendemos que revelem, porque há coisas que só percebemos quando estão ocultas. Como declarações de amor, que só entendemos enquanto estão caladas. Então quase sempre, antes de mostrar, guardamos.
E não precisamos em tudo que saibam.
Ao menos, precisamos que não saibam de tudo.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Nem sabemos.

"Você pode ter as chaves e não querer abrir velhas portas. E se as abrir, talvez as mesmas pessoas que te esperavam, já não estejam mais lá."

Estamos sempre abrindo e fechando portas. Esperando, encontrando e perdendo pessoas. E às vezes reparo tão profundamente, que quase poderia tocar. Minhas chaves já não me levam aos mesmos lugares, mesmo que me abram as velhas portas. E já não encontro as mesmas pessoas, não porque me esperem ou porque já não estejam mais lá. Mas porque pessoas mudam. E não custam muito as chaves, se já não somos completamente os mesmos, ou se já nem sabemos o que deveríamos destrancar.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Um para o outro.

O que não se aprende por amor?
Eles estavam apaixonados.
E é tão simplesmente assim, que começa esta história. Não porque seja simples – ou lhe bastaria uma única frase.
Mas porque apaixonar-se foi, para eles, como a primeira fração que desencadeou todas as outras. E como acontece a quase todos que se apaixonam, de alguma forma, não havia a pretensão de acontecer.
Ela possuía uma característica atípica.
Ele, tinha um comportamento incomum.
E estavam apaixonados. Sim. Porque mesmo que suas vidas fossem inteiramente diferentes, estavam juntas em um ponto comum.
Ela estava acostumada a se despedir de tudo, e apenas permanecer. Dar adeus às coisas e pessoas que a cercavam, e deixar que partissem. Trocar hábitos, companhias e circunstâncias, como se seu destino fosse esperar numa espécie de estação de trem – para sentar e observar todos que embarcassem, enquanto ela ficava para trás. Viver, seria aprender a não sentir falta. E ela havia aprendido bem.
Ele, por outro lado, estava acostumado a se despedir de tudo, e apenas ir embora. Deixar que as coisas e pessoas que o cercavam lhe dissessem adeus, e então partir. Trocar hábitos, companhias e circunstâncias, como se seu destino fosse esperar numa espécie de estação de trem – para embarcar e observar todos que permanecessem, enquanto ele deixava tudo para trás. Viver, seria aprender a partir e não voltar. E ele havia aprendido bem.
- Fomos quase feitos um para o outro – ela disse – porque quando for a hora, você saberá como ir, e eu saberei como deixar que se vá.
- Que irônico – ele respondeu – pensar que nos encaixamos tão perfeitamente, que fomos feitos até para nos despedir.
Sim. Quase feitos um para o outro, aparentemente desde o começo. E talvez até o fim.
Ela continuaria sem ele.
E ele, seguiria sem ela.
Ela esperaria por outras chegadas, por qualquer nova surpresa que desembarcasse; assim como aquelas garotinhas que amarram o cadarço de seus sapatos, enquanto esperam o ônibus para chegar em casa.
E ele procuraria por outras partidas, por qualquer novo encontro que alcançasse; assim como aqueles garotinhos que ignoram seus cadarços desamarrados, enquanto correm sem saber aonde pretendem chegar.
Seria fácil e previsível.
Mas eles estavam apaixonados. E às pessoas que se apaixonam, estão reservadas as grandes perguntas. Errados os que esperam pelas grandes respostas.
- E se, pela primeira vez em toda a minha vida, eu aprender a sentir falta? – ela perguntou.
- Então, - ele respondeu – eu terei que aprender, pela primeira vez em toda a minha vida, a voltar atrás.
E então, o que não se aprende por amor?

sábado, 31 de outubro de 2009

Da cor dos seus olhos.

Deixe-me falar da cor dos seus olhos, você deveria saber que eles mudaram o tom. Eu poderia até provar que escureceram, porque já não me enxergo dentro deles. E, meu bem, eu me enxergava.
Aquele sorriso que você me emprestava quando eu não sabia de que modo sorrir, também mudou. E eu já não peço para usá-lo. Às vezes o encontro no rosto de outras pessoas, e então sei que foi você quem emprestou. Mesmo que um dia ele fosse somente meu.
Na verdade, não lembro como o devolvi, mas espero que você o tenha recebido inteiro. Eu deveria tê-lo embrulhado, para quando você não estivesse por perto, e eu ainda não soubesse de que modo sorrir. Ou para que ele permanecesse o mesmo, até que você voltasse.
Porque você voltou, mas o meu sorriso emprestado se perdeu em algum lugar.
E as mesmas pistas que te trouxeram, não são capazes de trazê-lo de volta também. É como a antiga cor dos seus olhos. Mudou, e é só. Junto com nossas intrigas inúteis, nossas frases feitas e nossas respostas óbvias. Junto com tudo que me parecia tão nosso e que já não é meu, nem seu. Porque não soltamos somente as nossas mãos, mas pouco a pouco escapamos do que, juntos, costumávamos ser. E que já não podemos, e já não somos mais.
Sim, eu deveria ter embrulhado.
A cor, o sorriso, as intrigas, as frases e as respostas.
Para que não quebrassem, para que não desbotassem, para que não amassassem, para que não se perdessem, para que não se afastassem tanto quanto nós conseguimos nos afastar. Para que eu ainda soubesse o modo exato de sorrir. E para que eu voltasse a me encontrar, sempre que enxergasse o que (antes) eu enxergava em você.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Efeito.

Há sentimentos que atraem, e nos distraem.
Não me perturba a sonoridade. O efeito é bom.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Uma parte.

Às vezes fica faltando uma parte. Uma pequena fração que, aparentemente, se desprende de todo o resto - que desse jeito, já não pode ser inteiro. Uma parte pequena que falte, pode se tornar uma lacuna surpreendentemente grande. Sim, pode. O que a impede? E eu confesso que ainda não sei como se recuperam essas partes. Não sei porque não entendo, ou talvez porque eu nem sempre saiba exatamente o que falta. É tão abstrato. Como se chama? Algo que se vai sem olhar de volta. Uma pessoa, um sentimento, uma sensação, uma pequena data, um pequeno hábito. Fica faltando uma parte, semelhante a uma qualquer coisa que se quebre.
E então, como se cola?

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Fim.


"O coordenador social do Afroreggae, Evandro João da Silva, de 42 anos, é assassinado, na madrugada deste domingo."


O que nos resta depois de um fim? Depois que algo termina sem que se planejasse ser terminado. O que fica? Quando um ciclo se interrompe entre uma batida e outra. Quando entre dois pequenos passos se abre uma enorme lacuna, praticamente impossível de se transpor. O que permanece?
Talvez esse, seja algum tipo de prece.
E escrevo sem perceber que é. Porque não me remete às religiosidades que se supõe ao falar em preces. E porque não termina em amém. Apenas não termina.
Escrevo por um nome, e por tantos outros nomes que existiram antes e ao redor deste. E que agora devem se perguntar: alguém reparou?
Alguém notou como o mundo continua o mesmo, como as coisas permanecem idênticas, tão injustamente imutáveis diante de uma diferença assim?
As pessoas ainda giram com suas próprias pequenas vidas.
Mas há uma vida que não gira mais.
Há tantas vidas que não giram há tanto tempo, aliás. Por um acidente, por dois ou três segundos inesperados. Por uma disputa, uma ameaça, um disparo, um tropeço. Por um par de tênis e uma camiseta. Tantas vidas que não giram mais.
Entre essas, somente algumas são capazes de continuar. Em outras vidas, em outras pessoas. Das inúmeras outras formas existentes de continuidade. Através do que fizeram, das chances que criaram, dos sonhos que alimentaram, das perspectivas que ampliaram. Através das verdades adormecidas que despertaram.
Então, todos nós seguimos em frente. Bem melhores se soubermos olhar para trás. Bem mais nobres se entendermos que enquanto uma voz se cala, outras aprendem como falar - e nos dizem que nada deve ser em vão.
É que talvez esse, seja algum tipo de prece.
Pela paz que eu (também) não quero seguir admitindo.


"O Grupo Cultural Afro Reggae, ou apenas Afro Reggae, é uma ONG que também atua como banda musical surgida em 1993. O objetivo do AfroReggae era ter um tipo maior de intervenção com a população afro-brasileira, atuando principalmente na comunidade de origem de seus membros, Vigário Geral. Foi criado o Núcleo Comunitario de Cultura em 1993 para iniciar no local suas atividades de amparo a jovens carentes e com potencial de se envolver com a criminalidade que passavam a integrar projetos sociais."



sábado, 17 de outubro de 2009

Nós fingimos.

Eu finjo, tu finges, ele finge, nós fingimos.
E é deste jeito que se escreve, porque é deste jeito que se vive.
Sem subjetividades. Se vive, e é só.
Porque não reparamos, então não nos importamos. E porque não nos atinge, não nos desesperamos. Esquecemos que não existe um único erro - que apenas por ser errado - não nos faça perder tempo para as coisas mais certas. Erramos todos, e estando errados, perdemos tempo também.
Perdemos muito mais que tempo, aliás.
Perdemos o que se chama de justo. E aquilo que nasce sem justiça, se condena.
Então, nos condenamos pouco a pouco, parte a parte. Nos limitamos a uma vida particular, e ignoramos que as várias vidas particulares vão se tornar uma só.
Entendam os que souberem como entender.
Eu finjo, tu finges, ele finge, nós fingimos.
E todos nós sabemos do que se trata.


segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Alcancei vocês.

Por nós, o prazer foi meu.
Não é sempre o que se diz, depois que se conhece alguém de quem se gosta?
Sim. O prazer foi todo meu. E não porque eu apenas tenha conhecido pessoas das quais tenha gostado. Mas porque nelas, encontrei novamente a mim mesma.
Tive de volta as pequenas frações que eu havia perdido em um lugar qualquer, entre os tantos lugares errados por onde andei. E me senti voltando a mim, retornando ao lugar certo, como quando se reconstrói uma estrada até retomar os primeiros passos. Ou como quando se abre novamente uma velha porta, e se sente seguro outra vez.
Então era esse o som dos nossos risos? Eu quase esqueci como soavam bem, como vinham fáceis e inexplicáveis, como encerravam nossas pequenas bobagens e nossos comentários sem propósito.
Era assim que nos completávamos? Tão simples. Como um pequeno mosaico de características diferentes que se encaixam, e que justamente por não serem iguais, se complementam.
Por que não me contaram que seria assim tão bom? Por que não me disseram que passaria assim tão rápido, se eu mesma escrevi sobre a eternidade que cabe num piscar de olhos? Talvez eu tenha piscado. Já nem sei.
Me contem como aconteceu, se acredito que ainda continua acontecendo.
Os seus adesivos vermelhos, brancos e pretos, se ajustam com as borboletas do meu caderno? E o rosa da fita do meu pulso, combina com as três cores da pulseira no seu? As horas que passam no meu relógio, te parecem passar iguais? E se eu apertar de volta a sua cintura, você vai sentir cócegas e começar a girar em torno de si também? Quando eu erguer uma das mãos, a sua estará perto para que se encontrem? E depois das minhas perguntas, existirão sempre as suas respostas?
Eu aceito o risco.
E aceito que tudo seja tão injustamente imprevisível, para que cada etapa seja um tipo de surpresa. Não foi sempre assim? Horas, que viraram dias, que viraram meses, que viraram anos. Coincidências, que viraram acasos, que viraram encontros.
E o prazer foi todo meu.
Dos 'zinhos' que acrescentei aos seus nomes, às vezes em que fiquei vermelha sem um porquê. Do antes até o depois, porque vocês foram os prólogos e também os epílogos que couberam nas minhas histórias.
Então, me levem quando o tempo nos levar uns dos outros. Sim. Levem inteiramente as partes que quiserem levar. E da mesma forma que guardaram todas elas até que eu voltasse mais para perto, guardem outra vez. Quem sabe. Há muitas maneiras de se voltar até alguém.
E eu levarei aquilo que mora dentro das fotos, vocês se importam? O que deu sentido a cada uma dessas minhas palavras, mesmo que ninguém as entenda além de mim. Vocês sabem. Aqueles sinais abstratos que se escondem entre os gestos, para que comecemos a procurar. Aqueles que procuro. E que eu vejo sempre que olho de lado, porque vejo também vocês.
O prazer foi todo meu. Até aqui e mais adiante. Porque os encontrei.
E porque encontrei esse nós. A minha primeira pessoa do plural, que me alcançou quando alcancei vocês.

domingo, 11 de outubro de 2009

Desfazendo as malas.

Como se diz adeus a um sentimento?
É que eu nunca entendi inteiramente. Poderia ser como desamarrar um nó, desatar um laço, apagar um risco ou cortar um tecido. Poderia ser como desfazer qualquer coisa antes feita.
Como desarrumar uma mala depois de uma longa viagem. Sim.
Tiramos primeiro as coisas que ficaram amassadas. Pensamos se ainda voltariam ao normal, e quando percebemos que não, as colocamos de lado.
Depois vamos encontrando as roupas que nem chegamos a usar. O que, mataforicamente, seria como lembrar de momentos que nem sequer vivemos, das palavras que não falamos, das histórias que não construímos ou do afeto que nunca demonstramos.
E vamos abrindo todos os bolsos, revirando todos os cantos, até acharmos que não resta mais nada para ser encontrado. Que óbvio. Sempre resta. Em uma parte qualquer, assim meio escondida, há inevitavelmente algum pequeno objeto guardado. Esperando.
Da mesma singular maneira que permanecem as pequenas frações de sentimento, esperando dentro de nós. Por mais que as malas estejam desfeitas.
Como aquelas viagens que se prolongam. Tudo guardado de volta nos lugares certos, nas gavetas fechadas.
E o que se faz com as lembranças, se dobra e se guarda também? Eu ainda não sei.
Mas desfiz as minhas malas, e guardei tudo aquilo que eu pude dobrar.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

É.

Eu acredito tanto.
E nem tanto é tão verdade assim.

sábado, 3 de outubro de 2009

Esse.

Esse eu preferiria que nenhuma das pessoas que confiam lessem. Porque provavelmente vão sentir como se eu não confiasse mais.
E vejam só, será verdade. Eu já não confio tanto. Em todas as pessoas, em todas as autenticidades, em todos os sonhos ou em todas as promessas. É ruim parar em parte de confiar. Medir os centímetros sinceros de quilômetros de um sentimento. Como se mede?
Esse, eu preferiria que nenhuma das pessoas que confiam lessem.
Então me pergunto por que escrevi, e descubro que apenas precisava ter escrito. Como qualquer outra das minhas necessidades, foi necessário ter em palavras o que eu tenho em mim. E como para obter qualquer outra das minhas experiências, foi preciso primeiro experimentar. Então é somente isto, e logo em seguida se pode encaixar um ponto.
Quando se confia um pouco menos, também se perde um pouco mais.
E como se resgata? Eu também não sei. Como se volta a sonhar com as histórias depois que fechamos a última página do livro? E se não a fechássemos, se tornaria verdade por mais tempo?
Minha credulidade me faz falta, como a falta que se sente das pessoas de quem se gosta. E eu gostava de confiar mais. Gostava de mergulhar antes de tocar os pés na superfície, porque pouca profundidade sempre me cansa.
Como os sorrisos educados de quando não sinto vontade de sorrir. Eles me cansam. As respostas que guardo e os cumprimentos formais para quem eu não pretendia cumprimentar. Não poder ser, tanto quanto ter que parecer, me cansa. Tenho tentado ser. E apenas ser tem me bastado.
Não confio naquilo que somente parece, e que não é. Seria cansativo. E pensando bem, é não confiando tanto, que eu entendo: sentir é melhor que crer.
Sim. Sentir tem dado certo.
Na verdade, eu ainda preferiria que nenhuma das pessoas que confiam lessem.
Mas tenho um segredo que me aproxima delas.
É que há coisas que eu sinto, nas quais seria impossível não confiar.

domingo, 27 de setembro de 2009

Regra.

Nem todo amor é perfeito.
Nem todo sorriso é sincero, nem todo conselho é seguro, nem todos os caminhos te levam a Roma.
Nem todo sábado é de festa, nem todo sapato tem salto.
Nem todas as pessoas se importam, nem todos que você conhece são amigos. Nem todo céu é azul, nem toda história tem fim, nem todo casaco faz passar frio, nem toda noite tem estrelas.
Nem toda mulher usa batom, nem toda piada tem graça, nem todo preço é justo, nem todo trabalho é digno, nem todo esforço é válido. Nem todas as folhas estão em branco, nem todas as palavras dizem o que devem dizer, nem toda viagem tem rumo.
Nem toda imaginação é fértil.
Nem todo abraço acalma, nem todo som agrada, nem toda paz é eterna. Nem toda guerra é santa, nem todo sabor é doce, nem todos os meses são de chuva, nem todas as bagagens são de mão. Nem todas as chaves abrem portas, nem todas as vontades são satisfeitas, nem todos os sonhos acontecem.
Nem todas as flores são vermelhas, nem todos os medos se explicam, nem todas as leis se cumprem, nem todos os passos caminham juntos. Nem todo crime tem provas, nem todas as nuvens têm formatos. Nem todas as princesas mordem maçãs envenenadas, nem todos os príncipes andam a cavalo.
Nem todos os formatos são simétricos, nem todos os poliedros são convexos, nem todo elemento reage, nem todo remédio cura, nem toda música é difícil de dançar.
Então, como todos os dias parecem agora fazer sentido para mim?
É que nem toda exceção faz a regra, mas sei apenas que não há mais exceção.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A letra L que quis começar o seu nome, quis começar o meu também.

Não me lembro da data exata em que deixei de ser filha única.
Mas foi no mesmo dia em que conheci você.
Não sei exatamente como sabíamos que aconteceria, mas aconteceu. E acontece sempre. Como uma espécie de acontecimento que nunca termina de verdade.
Acontece.
Quando você olha de lado e sorri, porque eu estou ali, e então são meus esses sorrisos. Quando você diz que tudo vai terminar bem, e me sinto forte o bastante para recomeçar. Quando sinto sua falta, tanto quanto a sinto perto, e sei que estamos próximas mesmo que eu não possa te ver. Acontece.
É exatamente quando percebo que você é mesmo a melhor amiga que eu poderia ter.
E a letra L que quis começar o seu nome, quis começar o meu também. E o Y do seu Laryssa, de fato tem o mesmo som que o meu I.
Então eu sei. Acontece.
E aconteceria de uma forma qualquer, ainda que diferente da forma como aconteceu.
É que você é uma daquelas pessoas que eu encontraria fatalmente, porque estive destinada a encontrar. Por qualquer caminho que eu seguisse, depois de qualquer escolha que eu fizesse, para qualquer direção que eu andasse, lá estaria você. Inevitável.
Para ter meus segredos junto aos seus. Para que nossos risos fizessem eco um do outro, e para que nossos planos tivessem mais sentido juntos.
E nós viveríamos as mesmas histórias que vivemos. Viveríamos mil vezes e mais uma, se preciso fosse. Porque há sempre tempo, para as coisas que realmente valem a pena.
Então eu poderia ter traçado um projeto, e você seria parte dele.
Com seus olhos pintados de preto, e suas unhas do tamanho das minhas. Você com seu cabelo colocado de lado, e a sua mecha meio ruiva que nunca se apaga. Você e seu jeito de achar tudo engraçado, colocando as mãos na frente do rosto – como se não pudessem saber que você ri. Seus exageros, seus dramas e suas perguntas com respostas óbvias. Você e seus conselhos sinceros para minhas situações inesperadas. Você e todos os seus gestos e tipos, dos chaveiros da sua bolsa aos anéis dos seus dedos. Você e os dadinhos roxos e pretos da pulseira no seu pulso. Acredite, aconteceria.
E é exatamente quando percebo que você é mesmo a melhor amiga que eu poderia ter.
Você, só você. E fim.

domingo, 13 de setembro de 2009

Chegamos ao fim.

Então chegamos ao fim, e nem vivemos felizes para sempre. Essa é mais uma das minhas histórias, e deve ter sido tão pouco real quanto qualquer um dos meus faz de contas. Mas não posso evitar que meu coração acredite que também houve verdade. Em cada fantasia, mesmo que parecesse não haver. Houve verdade quando te falei sobre o amor, porque era a explicação menos racional e mais sincera que eu tinha para te oferecer. Houve verdade quando você esteve quieto e eu tentei acelerar a câmera lenta dos seus gestos. Houve verdade nos abraços e nos sorrisos. Houve verdade de sentimento, daquelas verdades inquestionáveis, que não se resolvem com a mesma lógica de uma equação matemática. Houve verdade no meu modo de te enxergar, e na forma como enxerguei as coisas ao seu lado. Houve verdade quando discordamos e quando dividimos as mesmas ideias. Houve verdade nas frases sérias, nas declarações previsíveis e nas brincadeiras infantis. Houve verdade quando fechei os olhos e deixei que você decidisse o que fazer. Houve verdade nos sons, nos gostos e nas cores. Houve verdade entre o encaixe das minhas mãos nas suas. Houve verdade no timbre da sua voz, na reação das suas expressões e nos movimentos dos seus olhos para dizer que eu estava errada. Houve verdade quando escolhi você. Houve verdade quando estive por perto. E também quando estive longe. Houve verdade quando entendi que durante muito tempo estive no lugar errado. Houve verdade quando finalmente deixei de te escolher. Houve verdade quando as cenas se transformaram em outras sequências, e quando surgiram novos papéis para novos personagens. Quando eu não protagonizei o que outro dia protagonizava, quando cortei pequenos laços que nos atavam, quando bifurquei nossos caminhos e segui na direção contrária. Houve verdade. Quando respirei mais fundo e vi que todas as minhas impressões sobre nós dois haviam mudado. Quando parou de fazer sentido acreditar, e todos os pequenos grandes enganos foram desfeitos. Quando abri a mão para que ela não encaixasse, e aceitei enfim que eu estava – o tempo inteiro – errada, como ouvi que estaria. Houve verdade. É que as coisas que passam não se tornam menos verdadeiras por terem passado. Apenas mudam. Aquilo que havia, e que eu disse que haveria sempre, já não há mais. Adivinhe. Eu realmente não estava sempre certa. E só espero que você não se importe, que eu leve a parte que me cabe em tudo isso. A parte contrária à sua, onde sempre – e inevitavelmente – houve verdade. Porque chegamos ao fim, e nem vivemos felizes para sempre.

sábado, 5 de setembro de 2009

Isso também vai passar.

Então ela desejava voltar a ser uma garotinha, para acreditar que tudo aconteceria de acordo com seus desejos. Ela desejava voltar a ser uma garotinha, para se lembrar de como o mundo era simples, de como tudo era fácil, e de como a vida era nada além de um dia depois de outro. Ela desejava voltar a ser uma garotinha para olhar as pessoas de baixo para cima, e pensar que todas eram - de fato - criaturas grandiosas. Ela desejava voltar a ser uma garotinha, para ter seus pedidos atendidos e ficar acordada até mais tarde nas noites especiais. Ela desejava voltar a ser uma garotinha, para perguntar por que, e ter uma resposta. Ela desejava voltar a ser uma garotinha. Para pensar que quando amamos alguém, esse alguém nos ama de volta. Para continuar confiando, sem desacreditar todas as verdades que já tivesse ouvido. Para sentir-se bem por inteiro, sem culpas, rancores ou decepções. Sem marcas. Ela desejava voltar a ser uma garotinha para sair correndo quando sentisse vontade. Para falar sinceramente, abertamente, sem ninguém para criticar. Para contar aos outros que quando magoamos alguém, a parte mais nobre é aprender a se desculpar - e a parte mais difícil é aceitar que isso nem sempre seja o bastante.
Ela desejava voltar a ser uma garotinha para aprender novamente o que é certo e o que não é. Para ouvir histórias nas quais todos viviam felizes para sempre, como se a realidade também pudesse terminar assim. Para justificar seus sustos dizendo que não poderia ficar sozinha no escuro. Ela desejava voltar a ser uma garotinha. Para que quando se machucasse, e pensasse ser a mais desastrada e boba de todas as garotinhas, alguém lhe dissesse: 'não chora, isso também vai passar.'

sábado, 22 de agosto de 2009

Dorme bem, anjo.

As pessoas sonham com os olhos abertos.
É como se bastasse apenas que estivessem vivas, e que desejassem algo diferente daquilo que vivem.
Mas as pessoas também fecham os olhos.
E, às vezes, elas dormem para sempre.
Quando as amamos, nunca entendemos exatamente por que. Então somente aceitamos que adormeçam.
Sentimos como se estivéssemos puxando seus cobertores e lhes desejando boa noite. Então suas vidas inteiras parecem ter sido um único dia. E deixamos que durmam.
Talvez o dia tenha sido difícil. Talvez não. Talvez tenha sido mais uma espécie de viagem, daquelas em que cada paisagem é uma nova descoberta, cada estrada é um novo roteiro, cada lugar é uma nova parada, e cada encontro é uma nova surpresa.
No fundo, somos todos como pequenas crianças. Não faz diferença se machucamos o joelho depois de cair. E não importa o quanto nossas brincadeiras pareçam divertidas. Mais cedo ou mais tarde, os relógios trazem a hora de dormir.
E depois de um dia inteiro, ou depois de toda uma vida, abrimos nossos olhos para as pessoas que amamos. Então, de repente, elas dormem. Como se estivessem finalmente tranqüilas, definitivamente em paz. E enquanto ainda estamos acordados, sorrimos e dizemos: “Dorme bem.”
Dorme bem, anjo.
Porque as pessoas também podem fechar os olhos.
E, às vezes, elas dormem para sempre.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

No seu espelho, no seu bolso.

Uma boa história de amor acontece de muitas formas.
Algumas duram horas completas. Talvez dias, talvez anos, talvez vidas. Os começos normalmente são mias simples que os finais; e os meios são todas as pequenas chances aproveitadas, somadas àquelas que se deixam desperdiçar. Uma boa história de amor consome tempo bastante para que não seja tão curta ou tão longa. Se todos os sentimentos fossem eternos, existiria apenas u único destino ao nosso encontro. E uma historia sem desencontros, não seria tão boa para ser de amor.
Isto era tudo que ela sabia quando abriu os olhos.
Então era pouco cedo para estar acordada, e muito tarde para ter alguma pressa.
Não fazia tanto sentido, mas ela poderia dizer que ouviu a porta bater. E se estivesse certa, ele teria partido.
Como aquelas coisas que partem depois de terem estado entre nossos dedos. Como aqueles enfeites de porcelana que se quebram, ou aqueles sabores que dissolvem. Simplesmente acontece.
E o que ela poderia fazer que já não houvesse feito?
Talvez pudesse andar até o espelho. Refazer as mesmas perguntas, procurar as mesmas respostas. Repassar as cenas decoradas. Comprovar que ela estava, enfim, sozinha, sem ele, só em frente à própria imagem.
Era infinitamente mais fácil olhar para si mesma.
E se observando no próprio reflexo, ela encontrou. Mesmo que não buscasse, ali estava.
Havia um papel no espelho.
E ela iria ler o que estava escrito. E assim, então, ele não a a teria deixado sem se despedir.
No seu espelho. Precisei ir. Lamento criar surpresa. Não espero que entenda, mas ainda amo você, sem poder oferecer nenhuma grande explicação.”
Então era isto.
Tudo absolutamente previsível, como ela supôs que iria ser.
E seria óbvio reclamar, mas ela sorriu.
Mais cedo ou mais tarde, depois de ter batido a porta e caminhado algumas ruas, ele se perguntaria o quanto ela iria sofrer, por não terem tido um final mais feliz.
Ela sabia. Sempre soube.
Poderia imaginá-lo colocando as mãos nos bolsos.
E também encontraria um bilhete dela.
No seu bolso. Se encontrou, provavelmente não estou por perto. Você precisou ir. E eu sabia que aconteceria. Lamento estragar a surpresa. E não espero que entenda, mas também amo você, sem precisar de nenhuma grande explicação.”
É que boas histórias de amor acontecem de muitas formas. Algumas duram horas completas. Talvez dias, talvez anos, talvez vidas.
Você sabe, muitas precisam de finais felizes. Outras, precisam apenas acontecer.
Porque cada boa história de amor que acontece, tem sempre a sua chance de recomeçar.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Fechei os olhos com você.

Fechei os olhos com você.
Eu, e exatamente o hábito de mantê-los abertos, nos esquecemos dos incontáveis motivos que poderíamos listar.
E por que eu listaria motivos, se poderia apenas fechar os olhos?
Os mesmos olhos que sempre estiveram tão abertos por você. Sempre tão prontos para decorar suas expressões ou seu sorriso. Os mesmos olhos que acompanhavam seus passos, seus percursos ou seus movimentos. Os mesmos olhos que, diante dos seus, conseguiam ver as cores refletidas mais de perto.
Os meus olhos quase vidrados, quase travados, quase multifacetados em divisões de você.
Eles poderiam permanecer atentos.
Poderiam continuar despertos.
Até que estivemos mais próximos.
Até que batemos compassos de um mesmo ritmo, formando dois pares com meus olhos nos seus; traçando as possibilidades óbvias do que havia para acontecer.
E então tudo aconteceu.
Os nossos gestos se encontraram. Nossos jeitos se encaixaram. Nossos gostos se provaram.
E eu fechei os olhos com você.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Então você não vê aquelas folhas?

Então você não vê aquelas folhas que caem e se juntam na calçada?
Exatamente aquelas folhas amareladas que o vento varre e espalha, você não as vê?
Sempre que se amontoam em uma esquina, são sopradas para outra. Parecem por um instante calmas, até serem novamente reviradas. Giram, dançam, varrem e se vão.
Aquelas folhas não voltam.
Mas você não percebe.
E sem que perceba, continua esperando entender.
Todos os seus medos no escuro embaixo da cama, você entende? Seus compromissos, suas incertezas, suas hesitações e seus planos. Seus sentimentos, suas lógicas, contradições e desejos.
Mudam todos como aquelas folhas. Bata um sopro.
Alguns dos seus segredos um dia serão contados sem consequências. Talvez o que é errado, amanhã esteja certo. E talvez algumas regras deixem de fazer sentido. Pessoas pelas quais você não esperava, podem vir a esperar por você. E as histórias que não te interessam, você pode querer escutar, repetindo-as até acreditar nelas também.
Então você não sente que o vento nunca para?
Toda pausa é tão calma quanto temporária.
Basta um sopro.
Certas coisas não retornam depois que voam.
Rostos e nomes que vamos esquecendo sem esforço. Companhias que perdemos sem nenhum motivo aparente. Espaços que vamos preenchendo, lugares que vamos ocupando, como objetos que vamos substituindo.
Mas algumas folhas vem, enquanto outras se vão.
Então você não vê?
Nos perguntamos como há tanto acontecendo tão rápido; como tantas mudanças surgem sem que nada deixe de parecer permanente.
Aquelas folhas que ficariam paradas na calçada o quanto fosse necessário.
Pelo tempo de uma existência. Ou até um próximo sopro.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dia do Amigo.


"E eu espero que você não se importe, que eu coloque em palavras, o quanto a vida pode ser maravilhosa, se você estiver em meu mundo." (Elton John)

sábado, 18 de julho de 2009

Das vidas que queríamos ter.

Imagino que a vida seja uma eterna busca.
No fundo estamos todos sempre procurando por algo a mais, que pode vir a ser uma resposta, uma conquista, um sinal ou uma espécie qualquer de milagre.
Estamos todos sempre à espera. Como crianças que puxam uma cadeira para perto da janela, e esticam a ponta dos dedos, porque acham que podem tocar o céu.
Vivemos o acontecido e parte do que está por acontecer. Somos quase acontecimentos.
Damos mais e mais voltas além do que pretendemos, para voltar ao lugar de onde partimos.
Temos medos imediatos, respostas curtas, resumos extensos e assuntos inacabados. Construímos planos impossíveis e nos sustentamos por sonhos inalcançáveis. Desacreditamos verdades absolutas e dispensamos as provas que se oponham às nossas ilusões. Fragmentamos teorias inteiras em pequenas partes supostas. Nos equilibramos em manobras, deslizes, tropeços e inclinações. Disciplinamos aventuras, mesmo quando movimentamos o tédio.
Inevitavelmente, nos contradizemos.
Preenchemos nossos vazios em compensações. Um amor, um projeto, uma fuga.
Escrevemos palavras soltas para prendê-las. Para torná-las quase prolongamentos; extensões das ideias, dos sentimentos, ou das vidas que queríamos ter.

sábado, 11 de julho de 2009

Questão de sentimento.

- Talvez seja questão de sentimento. – ela disse.
- Talvez.
Na verdade ela não sabia.
Mas sentir já era, essencialmente, inexplicável. Sentir implicava em conformar-se, da mesma maneira com a qual nos conformamos com as coisas que não podemos controlar. Sentir era o resumo e o conjunto de tudo, porque levava todas as causas para um desfecho comum.
Questão de sentimento” parecia a peça perfeita de encaixe. Parecia a solução final de um enorme cálculo de incógnitas, e, ironicamente, dispensava qualquer lógica.
- Me parece óbvio.
- Talvez não me pareça – ele disse – porque talvez as coisas não possam ser óbvias e ao mesmo tempo sentimentais.
- E o que elas seriam então? – ela perguntou.
- São aquilo que escolhemos que sejam.
Parecia mais fácil ouvindo-o falar assim.
Uma mera escolha entre possibilidades.
O óbvio era um domingo de sol. O sentimento era a sensação de recomeço num dia qualquer de quarta-feira. O óbvio da lâmpada era a luz; o sentimento era o gênio com seus três desejos. O óbvio era um uniforme. O sentimento era uma nova extravagância. O óbvio era a lei da atração entre dois opostos. O sentimento era a procura dos ajustes entre as pequenas diferenças.
Óbvio se planejava. Sentimento acontecia.
- É a primeira vez que penso assim – ela disse – e nunca imaginei que seriam razões tão contrárias. Como cinza ou azul.
- E qual você escolheu?
Ela pensou sem necessidade. Pelo hábito de parar e pensar, mesmo que qualquer um pudesse adivinhar a resposta.
- Escolhi o azul.
E ele a olhou e sorriram.
Questão de sentimento.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Histórias terminam.

Histórias terminam em seus pontos finais.
Terminam persistentemente.
Quando uma porta se fecha atrás de alguém que se foi. Ou quando uma caixa é guardada na última prateleira de um armário.
Histórias terminam no verso da última página de um livro, no último acorde de um instrumento, no último signo da astrologia, na última linha de um texto, na última letra de um nome, na última foto do álbum.
Histórias terminam na mudança de uma estação. Terminam numa data marcante ou numa noite qualquer.
Terminam depois do sol, ou antes que ele alcance as janelas.
Histórias terminam entre duas faixas de um mesmo CD.
Histórias terminam no toque do telefone, na frente de um semáforo, perto de casa, ou diante do mar. Terminam com um segredo, com uma desculpa, com uma promessa.
Terminam ensurdecedoras. Terminam silenciosas.
Terminam no arremesso de um dado, na virada de uma peça, no ensaio de uma jogada.
Histórias terminam com gelo e cartas queimadas.
Terminam quando as cortinas se fecham, quando as plateias aplaudem e os palcos esvaziam.
Histórias terminam num sopro, num gole, num gesto.
terminam por um sorriso, um beijo ou duas mãos.
Terminam num laço, num voo, num atraso.
Histórias terminam como algo que escorre, como uma cor que desbota, como um botão que se solta. Terminam ao se abrir um envelope, rasgar um embrulho ou olhar de lado. Terminam por satélite, por controlo remoto.
Histórias terminam numa senha, numa chave, num cofre. Terminam numa assinatura. terminam na chuva. Terminam num epílogo, numa mentira ou numa nova verdade.
Histórias terminam num filme, num seriado, num catálogo de propaganda.
Histórias terminam de maneiras semelhantes às que começaram; entre as mesmas pessoas e seus mesmos propósitos.
Histórias terminam para serem contadas. Terminam para sempre ou por alguns dias.
Histórias terminam todas para serem lembradas.
E, às vezes, para que outras tenham a chance de começar.

terça-feira, 16 de junho de 2009

No porta-retrato.

No porta-retrato havia uma foto em preto e branco.
Não havia mais cor, porque também já não havia mais tempo. Era a conjugação de todos os bons verbos no pretérito.
Dois sorrisos e um segundo.
E havia sempre alguém para olhar. Alguém para supor como a vida seria, se acontecesse inteira naquela foto. Alguém para contar que a história havia realmente acontecido, e tentar se reconhecer, depois de ter andado tanto, à frente de tantas coisas – para voltar ao mesmo lugar.
Era fácil questionar-se. Perguntar, finalmente, o que o tempo havia feito com as chances desperdiçadas. Os planos construídos, as regras quebradas, os olhares desencontrados, as mãos encaixadas, os sorrisos atrapalhados, ou qualquer “amo você” deixado para o dia seguinte. O que tudo isto representava agora?
A foto.
Era impossível ignorar.
Dois sorrisos e um segundo.
A pausa definitiva de um momento passageiro. Sem os seus sons, sem o seu gosto, sem suas sensações. Sem o ritmo que se acelerava batida por batida. Sem os movimentos que se completavam gesto por gesto.
Muitas coisas não cabiam num porta-retrato.
Por mais que quem o olhasse, sentisse caber ali.
É que as pessoas, às vezes, deixam a vida passar ao contrário. Guardam as soluções para depois dos problemas. Guardam a curiosidade para depois dos segredos, a verdade para depois das ilusões, a iniciativa para depois dos desfechos. Deixam a vontade de dar os primeiros passos para quando a estrada chega ao fim.
As pessoas, às vezes, costumam fazer tudo igual.
Vivem pela metade. Reservam parte de si mesmas, parte de seus afetos e de suas possibilidades. Se armazenam para depois.
Dois sorrisos e um segundo.
Depois disto, talvez nada aconteça.
Deixar passar o tempo, ser inteiro sem um pedaço, pretender completar-se amanhã, emoldurar-se em quatro margens, alcançar o último ponto e desejar voltar ao primeiro.
As pessoas, às vezes, costumam fazer tudo igual.
E para nos tornar diferentes, teremos que partir do início, sem que isto seja um final.
Não me importa como termine.
Vou emoldurar sua foto em preto e branco.
E é deste jeito, que nós vamos começar.